Numa sociedade de espectáculo, as celebridades podem substituir as modelos?

“Os criadores de moda querem ter as pessoas que consideram serem influentes na passerelle ou a assistir. Se isso acontecer, vão vender”, sublinha o historiador da moda Paulo Morais Alexandre.

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Carla Bruni, Claudia Schiffer, Naomi Campbell, Cindy Crawford e Helena Christensen na Semana da Moda de Milão, em 2017 REUTERS/STEFANO RELLANDINI
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Jennifer Lopez desfilou para a Versace na Semana da Moda de Milão, em 2019 ALESSANDRO GAROFALO/REUTERS
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Sofia Aparício na primeira edição do Portugal Fashion, em 1995 Manuel Roberto/Arquivo

O cruzamento das fronteiras entre a moda, a música, o cinema e a televisão é uma constante na história da moda. Ver celebridades a abrir ou a fechar desfiles (na Semana da Moda de Milão, as actrizes Demi Moore e Elizabeth Hurley e a cantora Dua Lipa desfilaram para a Fendi e a Versace) ou a ser o rosto de campanhas de marcas internacionais tornou-se um cenário tão comum que raramente é questionado. Em paralelo assiste-se à erosão do estatuto de supermodelo. Tem tudo a ver com uma mudança do ideal de beleza, garantem os especialistas em moda.

A ligação com as outras artes é quase tão antiga como a moda, começa por assinalar o historiador Paulo Morais Alexandre, docente de psicossociologia da moda, na Escola Superior de Teatro e Cinema, na Amadora. Trazer actrizes e celebridades para os desfiles e campanhas “é a génese das influencers”, observa, em conversa com o PÚBLICO. “Os criadores de moda querem ter as pessoas que consideram ser influentes na passerelle ou a assistir. Se isso acontecer, vão vender”, sublinha.

No fundo, garante, “tudo se reduz a comércio e marketing, numa sociedade de espectáculo”. Paulo Morais Alexandre recorda, a título de exemplo, o casamento de Grace Kelly, que tinha uma relação de amizade com os criadores da Dior. Todavia, no seu casamento, visto que seria transmitido na televisão, é a figurinista de cinema Helen Rose a desenhar o seu vestido. “Ela percebe que o seu casamento é um espectáculo.”

Os próprios criadores de moda tentam criar espectáculos nas apresentações das suas colecções. Recentemente, em Veneza, a Dolce&Gabbana apresentou a nova colecção de alta-costura e a lista de convidados incluía estrelas como Jennifer Lopez, Helen Mirren e Heidi Klum. Também a Chanel é conhecida pelos seus desfiles teatrais, onde, nas primeiras filas, se sentam as celebridades mais badaladas.

O fenómeno tem crescido nos últimos anos, em paralelo com o desaparecimento das supermodelos. “Os criadores estavam a alimentar vedetas que só eram influencers porque eles as criavam. Sai mais barato arranjar uma grande estrela para representar a marca”, defende Paulo Morais Alexandre, que acredita que “as modelos estão, cada vez mais, afastadas do nosso mundo”. 

“Não vamos deixar de ter modelos”

Nos anos 1990, explica Tó Romano, fundador da agência Central Models, as supermodelos, como Claudia Schiffer, Naomi Campbell e Linda Evangelista ou, em Portugal, Sofia Aparício, “eram referências do ideal de beleza”, que era inatingível. Isto porque, assinala o responsável, a moda assentava na “ideia de sonho”. Tudo terá mudado há 20 anos com a queda das Torres Gémeas, em 2001, e a “era do medo”. Em vez de sonhar com uma utopia, “as pessoas, ao verem uma publicidade, querem reconhecer-se naquilo que estão a ver”.

O mesmo se aplica à moda. É por isso que as actrizes vêm substituir as modelos a abrir ou a fechar desfiles ou a serem o rosto das campanhas, acredita Tó Romano.

A mudança na indústria da moda, acredita a directora da L’Agence, Elsa Gervásio, terá também que ver com a velocidade do mercado. Hoje “não dá tempo de as modelos amadurecerem” e se tornarem conhecidas (salvo raras excepções, como Sara Sampaio, Irina Shayk ou Gigi Hadid). “A indústria quase não tem tempo para absorver todas as modelos que aparecem no mercado. É tudo descartável. Aparecem e fazem quatro estações, no máximo”, lamenta.

Enquanto agências de manequins, Tó Romano e Elsa Gervásio garantem limitar-se a responder às exigências do mercado internacional, que continua a querer modelos muito jovens e, de preferência, com muitos seguidores nas redes sociais (mas não demasiados para não ofuscar a marca). Os criadores não querem repetir o fenómeno das supermodelos, mas não podem prescindir das modelos para apresentar as suas colecções.

Os próprios jovens têm consciência da efemeridade da profissão de modelo e, reconhece Tó Romano, muitos chegam à profissão já com perspectivas de enveredar pelo mundo da representação. Aliás, em Portugal, têm sido vários os modelos a chegar aos ecrãs, da passadeira à ficção, como Paulo Pires, Pedro Lima, Marisa Cruz ou, mais recentemente, Ruben Rua.

Mas nada disto é sinónimo do fim da profissão de modelo, trata-se apenas de uma mudança de paradigma. “Não vamos deixar de ter modelos, vão ser sempre uma necessidade”, descansa Paulo Morais Alexandre. Os modelos vão continuar a desfilar nas passerelles, uma vez que são essenciais para mostrar e manter a atenção nas criações dos designers. Para vender e aproximar os consumidores, as celebridades brilham nas semanas de moda e campanhas publicitárias.

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