Só 20% de telemóveis mantêm a StayAway Covid. “A app perdeu reputação”

A equipa do Inesc Tec diz que o sistema de alerta nunca falhou, mas as pessoas e os médicos não sabiam onde encontrar os códigos para o activar.

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O Inesc Tec defende que a ferramenta ainda pode ser útil MIGUEL MANSO

Um ano após o lançamento, só cerca de 20% dos telemóveis dos portugueses mantêm a StayAway Covid activa, a app móvel que foi criada para acelerar o rastreio de contactos das pessoas que são diagnosticadas com covid-19 em Portugal. Mais de três milhões de portugueses instalaram a app desde o lançamento a 28 de Agosto de 2020, mas a maioria foi desistindo de a utilizar. 

Os números foram cedidos ao PÚBLICO pela equipa do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (Inesc Tec), que coordena a aplicação, a propósito do aniversário da app

A ocasião tem sido marcada por críticas, com a Associação D3 — Defesa dos Direito Digitais a descrever a StayAway Covid como um “fracasso”. “A app não funcionava e as pessoas perceberam-no”, lê-se num comunicado assinado pelo vice-presidente da associação, Ricardo Lafuente. 

A equipa do Inesc Tec reconhece falhas na aplicação, mas sublinha que o problema não foi a tecnologia e que o sistema ainda pode ser uma ferramenta útil. “Em termos tecnológicos, o sistema funcionou. O problema é que a tecnologia não chega​”, resume o presidente do Inesc Tec, José Manuel Mendonça. “Os portugueses estavam prontos para usar o sistema — o número de downloads mostra que havia potencial”, realça Mendonça. “Os problemas que existiram foram socio-técnicos. Não foi suficiente criar uma app e motivar as pessoas a instalá-la. A StayAway Covid faz parte de um sistema gigantesco que depende da interacção com médicos e com servidores do SNS.”

Um dos grandes problemas da aplicação, noticiado pelo PÚBLICO em Novembro de 2020, foi a falta de códigos gerados pelos médicos. Em teoria, as pessoas diagnosticadas com covid-19, que tivessem um telemóvel com a StayAway Covid instalada, deviam receber um código (fornecido por um médico) para activar o envio de um alerta anónimo a outros telemóveis com a app instalada de que estiveram perto nos últimos 15 dias. Só que as pessoas infectadas não sabiam a quem pedir o código e alguns profissionais não sabiam onde os encontrar. Desde Agosto de 2020, apenas 3137 códigos foram colocados na app (em Janeiro tinham sido usados 2708 códigos). 

“A organização da atribuição dos códigos pelos médicos falhou”, confirma José Manuel Mendonça. “Não estou a apontar o dedo a ninguém. Inicialmente decidiu-se que dar o código à pessoa deveria ser um acto médico e isto não funcionou”, clarifica o presidente do Inesc Tec. Para resolver a questão, a equipa propôs enviar os códigos através da Trace Covid, a plataforma que dá suporte aos profissionais de saúde no rastreio e vigilância de contactos.

Em Março, o Governo estava a preparar legislação para mudar as regras sobre o tratamento de dados da aplicação. Para a Associação D3, a alteração legislativa “veio tardíssimo”, meses após “relatos de desinstalações em massa, tendo-se perdido a oportunidade de fazer a diferença em tempo útil”. 

“As alterações nunca chegaram a avançar e actualmente a app está parada e não comunica com outras apps europeias”, conclui, também, José Manuel Mendonça. “A app perdeu reputação”, reconhece.

Contrariamente ao pretendido em 2020, a StayAway Covid também não está ligada ao portal de partilha de informação entre apps para travar a covid-19 da União Europeia. O objectivo do sistema era garantir as várias aplicações de rastreio de contactos funcionam além das fronteiras nacionais, noutros países da União Europeia.

Para o Inesc Tec, no entanto, não é tarde demais. “Do ponto de vista técnico o sistema encontra-se em funcionamento como há um ano”, lê-se num balanço enviado ao PÚBLICO pela equipa da app. Apesar de ter falhado para a covid-19, sistemas do género poderão ser úteis “em cenários diversos”.

É uma tese defendida, também, por Henrique Barros, especialista em saúde pública e epidemiologista do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) que esteve envolvido no desenvolvimento da aplicação. 

“Este tipo de aplicações pode ser uma solução para apoiar a vigilância epidemiológica. São uma boa solução para doenças de transmissão respiratória”, sugere ao PÚBLICO o epidemiologista.“Só que é preciso que os profissionais que fazem esta vigilância tirem partido das soluções tecnológicas disponíveis, que é algo que não aconteceu neste caso.” 

Para a Associação D3, é importante debater o que se passou ao longo de todo o processo. Uma das grandes falhas, resume Ricardo Lafuente, foi a “abordagem tecno-deslumbrada que exalta as apps” e a falta de atenção à legislação e outras áreas fora da tecnologia. 

A 1 de Setembro de 2021, a aplicação continua disponível para descarregar nas lojas online da Apple e da Google, mas sem pessoas a usar a app o sistema serve para pouco. 

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