Ensino combinado: o futuro do ensino universitário?

No limite, se lecionado em português, o público potencial de cada curso estende-se aos países de língua oficial portuguesa; se lecionado em inglês, à população mundial.

A pandemia é um daqueles momentos históricos, que traçará um antes e um depois nas interações humanas. Uma das áreas em que tal sucederá é a do ensino, designadamente nas universidades. Há cerca de um ano, refletia sobre as lições que poderíamos retirar do ensino online que, de forma abrupta, tivemos de adotar na sequência da erupção pandémica. Agora, quando começamos a ver a luz ao fundo do túnel, faz sentido pensar no futuro do ensino pós-pandemia.

Reiteramos as conclusões a que tínhamos chegado: pelo menos no Direito, o ensino online funciona razoavelmente — no fim do ano, os estudantes adquiriram os conhecimentos e as competências pretendidas, ao mesmo nível de estudantes de anos anteriores; o ensino presencial continua, não obstante, a ser mais vantajoso nos momentos de interação personalizada entre estudantes e docentes e entre estudantes; e a avaliação escrita (em especial, o “exame final”) tem de ser presencial, para garantir a fidedignidade dos resultados, tendo também em conta as objeções da Comissão Nacional de Protecção de Dados à utilização de ferramentas de vigilância online.

Tendo isto em conta, e dito de forma simples, parece-nos que, depois de se ter experimentado o potencial do ensino online, já não é possível voltar a enfiar o génio na lâmpada. Quem pensa que o período que vivemos é um mero interregno e que, debelada a pandemia, voltaremos ao ensino de antigamente, exclusivamente presencial, pensa que pode parar o vento com as mãos.

As vantagens do ensino online

Por “ensino online” englobámos todas as práticas de ensino à distância potenciadas pelas ferramentas digitais, quer estejam em causa aulas (síncronas ou assíncronas, com ou sem convidados externos, com ou sem uso das “salas” simultâneas, com maior ou menor interação oral ou através do chat), o visionamento/audição de pequenos vídeos, podcasts ou audioslides, o uso de todas as virtualidades das plataformas informáticas LMS (Learning Management Systems) para acesso aos materiais de estudo, entrega de trabalhos, participação em fóruns de discussão, comunicação, trabalho em equipa ou realização de avaliações, entre outros.

Entre as vantagens do ensino online contam-se, desde logo, a desnecessidade de deslocações — com a inerente poupança de tempo, cansaço e dinheiro, e menos poluição produzida, por parte dos que antes se deslocavam. Este efeito, multiplicado por dezenas de milhares de estudantes do ensino superior — e, se combinado com a consolidação do teletrabalho, ainda que parcial, por centenas de milhares de trabalhadores — promete ganhos de bem-estar, financeiros e ambientais substanciais.

Outra vantagem é a de permitir o acesso à educação daqueles que não tinham hipótese de se deslocar, por se encontrarem a distâncias excessivas do local do curso. O incremento massivo do público-alvo é, aliás, uma das grandes vantagens do ensino online para as universidades. No limite, se lecionado em português, o público potencial de cada curso estende-se aos países de língua oficial portuguesa; se lecionado em inglês, à população mundial.

Para as universidades, perspetiva-se ainda a possibilidade de desenvolver a sua oferta sem a necessidade de investimento em espaços adicionais. Em sentido contrário, a opção pelo ensino online implicará necessariamente um investimento maior em infraestruturas tecnológicas, plataformas digitais e formação de docentes e discentes.

No ensino online, avulta ainda a possibilidade de cada estudante organizar o ritmo do seu estudo e de repetir a leitura/visionamento/audição dos materiais sempre que o quiser. Mas a unidade curricular tem de ser organizada de modo a garantir que a procrastinação não leve a melhor. Uma adequada reflexão sobre estas questões poderá, ainda, servir para aprofundar um dos objetivos de Bolonha, de acentuação do estudo autónomo, e gerador de autonomia, do estudante.

Finalmente, prevendo-se uma aceleração das interações sociais online, designadamente em contexto laboral, o entrosamento ganho pelos estudantes no domínio dessas ferramentas – que não coincidem exatamente com as redes sociais que estão habituados a usar no dia a dia – constitui vantagem adicional do ensino online.

As vantagens do ensino presencial

A experiência de um ano e meio por que passámos permitiu-nos perceber, não apenas as virtualidades do ensino online, mas também aquilo em que, para já, o ensino presencial continua a levar vantagem.

Curiosamente, o aspeto que parece ser mais valorizado pelos estudantes no ensino presencial é a vida académica para lá das aulas: a interação com colegas — e as redes (pessoais e profissionais) que assim se criam —, a participação em grupos académicos, as festas universitárias… Como é evidente, por outro lado, também o conhecimento presencial dos estudantes pelos docentes, e vice-versa, facilita depois a própria interação online em contexto de aula.

Mas a vantagem do presencial revela-se ainda noutras experiências sacrificadas pela pandemia, como os estágios curriculares, as atividades em laboratório, a mobilidade internacional, as simulações de prática profissional (como, em Direito, as simulações de julgamentos) e, em geral, as aulas com índole mais “prática”. Também o cultivo de competências transversais, que são essencialmente competências de interação social (como a expressão oral, a retórica, o debate argumentativo, a negociação ou a mediação) beneficiam do caráter presencial das sessões de prática.

Por outro lado, a permanência na habitação pode desmotivar os estudantes, sobretudo aqueles que o são a tempo inteiro, ao esbater a distinção entre tempo de estudo e tempo de lazer.

Finalmente, já se referiu como o caráter presencial da avaliação, sobretudo a escrita, a torna mais fidedigna, sem prejuízo de existirem formas de avaliação escrita online que podem ser usadas com proveito, designadamente em contexto de avaliação contínua, como sucederá, por exemplo, com pequenos testes de escolha múltipla.

Resultado: o ensino combinado como modelo de futuro

Em suma, a organização de uma unidade curricular, ou de um curso, de acordo com um modelo online e/ou presencial dependerá da ponderação dos elementos necessários à consecução dos objetivos de aprendizagem, em termos de aquisição de conhecimentos e domínio de competências.

Por regra, parece-nos que, em cursos conferentes de grau, sobretudo na licenciatura, se exigirá uma ponderada combinação dos dois modelos de ensino, presencial e online. A acentuação de um ou outro modelo dependerá do mix de atividades de ensino-aprendizagem consideradas aptas para atingir os objetivos finais do curso e da melhor adequação dessas atividades ao modelo online ou presencial.

Assim, por exemplo, a clássica aula expositiva poderá ser facilmente realizada online (preferencialmente, em modo síncrono). Mas uma aula de caráter mais prático poderá, dependendo da atividade em causa, ser melhor realizada presencialmente. O mesmo raciocínio é aplicável a cursos não conferentes de grau, onde haverá provavelmente uma maior margem e vantagem na adoção de modelos predominantemente ou exclusivamente online.

Assim, o modelo de ensino online, na sua versão pura ou combinada, veio para ficar, e as universidades que mais rapidamente o perceberem mais rapidamente entrarão, finalmente, no século XXI.


O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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