Ricardo Cabral: “Portugal, branco. Preto? Talvez”

Ricardo Cabral chegou a duvidar da existência do racismo, tal era a dissonância entre aquilo que sentia e aquilo de que se falava. “Cá em Portugal, falar de racismo é tabu”, diz. Primeiro episódio da série Nada contra, mas... Testemunhos na primeira pessoa para ver sem preconceitos e sem "mas".

Apesar de o sentir na pele “basicamente todos os dias”, Ricardo Cabral chegou a duvidar da existência do racismo, tal era a dissonância entre aquilo que sentia e aquilo de que se falava. Afinal, o problema era outro: “Cá em Portugal, falar de racismo é tabu.”

Ricardo Cabral nasceu português há 32 anos. Não sabe precisar quando foi, mas a certa altura começou a pensar que era um português “diferente” pela forma como era tratado. Um português “negro”. “Eu, por diversas vezes, já fui a centros comerciais ou lojas e consegui sentir que era alguém não desejado. Muito novo, não sei com que idade, apercebi-me que era um perigo para algumas pessoas.”

Como muitos outros negros, Ricardo foi tratado de forma diferenciada por causa da cor da pele. Passou a ser definido por ela naquilo que chama de “fantasia do que é ser português”. Uma “fantasia” que exclui outros portugueses como ele.

“O outro perde uma cara própria, uma identidade própria. Essa fantasia é um movimento sociopolítico de repressão contra esse tipo de gente”, argumenta este estudante de Sociologia e Antropologia na Goldsmiths University em Londres.

Quando foi viver para o Reino Unido, Ricardo descobriu uma outra forma de reconhecer o racismo e de o combater. “Na minha universidade, eles semanalmente mandavam e-mails a perguntar se existem alunos com problemas psicológicos devido a todo este ambiente do Black Lives Matter, de revoltas e de hostilidade política. Eles estavam preocupados com o psicológico das pessoas, e especificamente com os jovens estudantes negros”.

Ainda antes de saber o que significava a palavra “racismo”, Ricardo aprendeu a conviver com brincadeiras e piadas que constantemente minimizavam a sua etnia. “É uma brincadeira, mas ela tem uma noção de identidade que é profunda e dita relações. Dita que tu és preto e eu sou branco. E isto é Portugal. Portugal, branco. Preto? Talvez.”