Na campanha de apelo ao voto nas Europeias, os avós pedem aos netos: “Cuidem da democracia, quando eu já cá não estiver”

Parlamento Europeu arranca com campanha de incentivo ao voto: “É uma mensagem das gerações mais velhas para as mais novas: protejam a democracia”

Logo a abrir, num plano fechado, a francesa Monique Maugas-Bauzou fala de algo que guarda “no fundo” do coração, algo em que pensa “todas as manhãs”, algo que sempre cala. É a partir daqui que desfia a mensagem para o seu neto, e consequentemente para toda a Europa, no vídeo da campanha institucional do Parlamento Europeu (PE) para as eleições europeias que se estreia esta segunda-feira.

“Sabes, Robin, eu não devia estar aqui hoje. Devia ter morrido no dia 17 de Junho de 1940”, narra no filme, evocando o traumático episódio que viveu aquando da ocupação nazi. Nesse dia, aos 12 anos, viu a mãe morrer ao protegê-la das balas. Partiu pouco depois, pensando que tinha “perdido tudo”, família, roupa, casa, engrossando as fileiras do êxodo de 1940. “A minha infância terminou muito cedo”, lamenta Monique, já perante uma plateia de jornalistas, em Bruxelas. “Não sabia o que era a democracia, só tinha 12 anos, mas o mundo estava ao contrário.”

Uma inesperada queda (e não os seus 96 anos) quase a obrigavam a faltar à apresentação à imprensa de Hero, braço da campanha Go To Vote, mas ei-la, pronta a partilhar a mesma mensagem que a levou a participar no filme. “Eu perdi a minha mãe e pensei que não queria que as pessoas passassem pela guerra. Se estou aqui, não é por mim, há algo maior do que nós. Fico chocada por ver que há muitas crianças que não sabem como era (...) Vim para que as próximas gerações percebam o que se passou.” O neto, Robin, completa depois: “É muito importante que as pessoas recebam uma mensagem de paz.”

São quatro minutos de partilha de mensagens de avós para netos. Do avô que teve de ser abandonado pelos pais judeus para sobreviver, à avó que recorda a Revolução de Veludo. Que lhes dizem para nunca considerar a “democracia um dado adquirido”, que é preciso “lutar por ela”. E lhes pedem: “Cuidem da democracia, quando eu já cá não estiver”. Um filme, com versões mais curtas para se adaptar a todos os meios e em várias línguas, que culmina com uma mensagem: “Usa o teu voto ou outros decidirão por ti”.

Para encontrar estas histórias, foi feito um casting em todos os países da União Europeia. Os 54 seleccionados (incluindo uma avó e neto portugueses, que não chegaram a ser incluídos no vídeo final) estiveram reunidos durante dois dias num edifício em Copenhaga, o que foi fundamental para “criar esta atmosfera de confiança”, considera a realizadora Mette Carla Albrechtsen, da Kind Production. “É um filme que não foi escrito — e não podia ser escrito, não é de copywriters. Criámos a estrutura para que os avós contassem a sua história aos netos”, complementa o director criativo Johan Køhler, da agência &Co. No final, tinham 15 horas de gravações. 

E, apesar do revisitar histórico, “não é um filme sobre o passado: é sobre o futuro”, considera Køhler. “É uma mensagem das gerações mais velhas para as mais novas: nós fizemos o que tivemos de fazer para proteger a democracia, oferecemos um país livre, uma Europa livre, e esta é a vossa responsabilidade: proteger a democracia”, enfatiza o porta-voz do PE, Jaume Duch Guillot.

Numas eleições marcadas, como nunca, pelo fantasma dos partidos populistas e eurocépticos, que podem pôr em causa toda esta arena de consensos, o PE aposta numa campanha, com um orçamento de 33 milhões de euros, que é uma lição de história, a apontar para os jovens.

“Há dez anos, estávamos a fazer referências ao roaming; em 2019, começou a ser diferente, mais político, foi a altura do ‘Brexit’ e de uma discussão mais visível sobre alterações climáticas”, descreve o director-geral de Comunicação, referindo ainda o aumento de participação eleitoral nesse ano — o que até se pode repetir a 9 de Junho, a avaliar pelo crescimento do interesse nas europeias atestado pelo último Eurobarómetro

“Estas eleições também vão ser sobre democracia —​ é esta a mensagem a passar aos 370 milhões de cidadãos que podem votar. Vão ser sobre o futuro da Europa, mas também sobre o futuro da democracia.”

A jornalista viajou a convite do Parlamento Europeu

Corrigido às 12h22 de 29/04/2024: foram seleccionados dois portugueses, ao contrário do que estava anteriormente assinalado.