Medina e a rotina da administração

O erro administrativo da Câmara de Lisboa já teve resposta, o erro político não

A lei de 1974 que regula o direito à manifestação não determina que os nomes dos promotores dos protestos sejam fornecidos às polícias. Não consta da mesma lei que esses dados devam ser partilhados com as entidades contra as quais os activistas se manifestam. É duvidoso que tal aconteça no primeiro caso, é lamentável (e consensual, como temos visto) no segundo.

Porque é que uma autarquia, neste caso, a de Lisboa, fornece a terceiros dados pessoais apesar de não ser obrigada a fazê-lo? A lei atribui às autarquias toda a autonomia para procederem como quiserem nestas situações e a de Lisboa herdou uma competência e um hábito do Governo Civil que vai além do que determina a lei. Só uma vergonhosa subserviência pode explicar que uma autarquia o faça e só uma grande insensibilidade pode justificar que o tenha feito em casos que podem pôr em risco a vida de alguém que se limitou, corajosamente, a exercer um direito cívico de protesto.

Porque é que um presidente de câmara elabora um despacho, em 2013, a impedir a partilha de dados com terceiros, para evitar casos como os que se verificaram de forma reiterada nos últimos anos, e os serviços o ignoram anos a fio, numa rotina burocrática que mais não é do que uma demonstração cabal de negligência?

Como é que ninguém se confrontou sequer com a dúvida se era ou não correcto colocar a vida de alguém em risco com a divulgação de dados pessoais de manifestantes? O que será pior, a negligência ou a insensibilidade? Não se compreende, além disso, porque é que os contactos com as embaixadas foram feitos pela autarquia e não pela via diplomática do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Como escrevia António Barreto, organizar uma manifestação não é um caso de polícia: “Os direitos dos cidadãos são secundários.”

Transformar o Gabinete de Apoio ao Presidente em Direcção de Serviços de Expediente não passa de um expediente e exonerar o responsável pela protecção de dados do município não passa de uma manobra de diversão para encontrar um bode expiatório. O erro administrativo não é inócuo, por mais que tenha sido praticado sem “maldade e má intenção”, como afirma Medina, e do qual pediu desculpas.

Este erro administrativo, que já tinha sido denunciado antes, é um erro político. Com estas medidas, Fernando Medina respondeu ao erro administrativo. Quanto ao erro político, optou pela fuga em frente: encaminhar a auditoria para o Ministério Público e para a Comissão Nacional de Protecção de Dados. É a rotina da administração.

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