O campeonato do combate à desflorestação
Os produtos que causam a desflorestação estão nos carrinhos de compras e nos pratos dos europeus, portugueses incluídos, sem que nós, os consumidores, tenhamos outra opção.
Com tamanha azáfama (e justificada) em torno do desfecho do campeonato de futebol português, talvez fosse oportuno chamar a atenção do leitor com o título deste artigo para abordar outro tema mais importante, como as medidas que dois pólos estão a tomar para liderar o combate à desflorestação: a União Europeia e os EUA.
Nos dias 22 e 23 de abril, a Administração Biden organizou a conferência “A Cimeira da Terra” para trazer de volta os Estados Unidos para os compromissos assumidos no Acordo de Paris. Independentemente de alguma desilusão com o que Biden anunciou neste encontro, era importante uma rutura desta nova Administração com a despreocupação climática que foi evidente durante o mandato de Trump, e era importante colocar em cima da mesa uma peça do puzzle climático que tem sido demasiadas vezes negligenciada e subfinanciada: as florestas do nosso planeta.
Era expectável que a Administração Biden utilizasse a cimeira para tomar uma posição mundial em relação aos países que possuem florestas tropicais como o Brasil, Indonésia, e a República Democrática do Congo, e que pouco têm conseguido fazer para impedir a destruição das suas florestas pela agricultura e pecuária intensivas, pela exploração madeireira e pela mineração. Neste caso, foi importante Biden marcar uma posição de diálogo com estes países que os obrigue a reconhecer adequadamente os direitos dos povos indígenas e que cumpram medidas que salvaguardem as áreas protegidas.
A desflorestação será uma das prioridades de Joe Biden, esperando-se que os EUA redobrem os seus esforços para acabar com o comércio de soja, óleo de palma e outras mercadorias quando provenientes de produção em terras ilegalmente desmatadas. A desflorestação ilegal desenfreada é uma catástrofe, tanto para o ambiente como para os direitos humanos.
Do lado da Europa, onde a presidência do Conselho da União Europeia é coordenada até final de junho por Portugal, estamos a assistir a uma competição amigável com os EUA, para não ficarmos para trás nesta liderança no combate das alterações climáticas. É certo que se chegou a um acordo provisório no seio do Conselho para a Lei Europeia do Clima, na véspera da Cimeira da Terra organizada pelos EUA, exatamente para a Europa se apresentar neste encontro um passo ligeiramente à frente. No entanto, esta lei acabou por ser pouco ambiciosa, uma vez que o acordo provisório contém uma meta climática para 2030 de redução de pelo menos 55% das emissões líquidas, muito abaixo da meta de 65% que a ciência afirma ser necessária e misturando reduções de emissões com remoção de carbono por sumidouros.
Com uma Lei Europeia do Clima aquém do que é necessário, resta agora ter alguma esperança em relação à implementação da Estratégia “Do Prado ao Prato”, a nova Política Agrícola Comum (PAC) e a nova legislação que a Comissão Europeia irá em breve propor para travar a entrada no mercado da União Europeia de produtos resultantes da desflorestação em países terceiros. Estes três instrumentos serão fundamentais para a Europa mitigar a sua responsabilidade na desflorestação do nosso planeta.
Em abril, a WWF lançou um relatório onde demonstra que a União Europeia é o segundo maior importador de desflorestação do planeta. Os produtos que causam a desflorestação estão nos carrinhos de compras e nos pratos dos europeus, portugueses incluídos, sem que nós, os consumidores, tenhamos outra opção. Portugal, por exemplo, aparece como o 6.º Estado-membro com maior consumo per capita associado à desflorestação relacionada com o comércio internacional. O nosso país foi responsável pela destruição em média de 7200 hectares de florestas tropicais por ano entre 2005 e 2017, relacionada com a importação global de bens causadores de desflorestação.
Igualmente importante será articular os instrumentos mencionados em cima com a Estratégia de Financiamento Sustentável da União Europeia adotada em abril para que se mobilize o setor privado a desempenhar um papel crucial na transição e invista de forma mais sustentável, nomeadamente no setor da agricultura e da produção alimentar. Nesta matéria, os EUA também estão alinhados. O enviado especial do Presidente norte-americano para o clima, John Kerry, anunciou também no mês passado o novo plano para impulsionar os esforços do sistema financeiro no sentido de ajudar a economia global a caminhar para a neutralidade carbónica.
Para que este campeonato da desflorestação não morra na praia, é necessário mais do que nunca que a Europa e EUA se unam para criar regras que excluam dos seus mercados mercadorias e produtos ligados à desflorestação. Só com uma lei eficaz – que garanta aos consumidores que não consomem produtos associados a desflorestação e conversão de habitats, e só com escolhas alimentares conscientes, como a opção por produtos locais, certificados e/ou biológicos – é que se pode travar a destruição irremediável de algumas das zonas naturais mais importantes do nosso planeta.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico