O campeonato do combate à desflorestação

Os produtos que causam a desflorestação estão nos carrinhos de compras e nos pratos dos europeus, portugueses incluídos, sem que nós, os consumidores, tenhamos outra opção.

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rafael marchante/reuters

Com tamanha azáfama (e justificada) em torno do desfecho do campeonato de futebol português, talvez fosse oportuno chamar a atenção do leitor com o título deste artigo para abordar outro tema mais importante, como as medidas que dois pólos estão a tomar para liderar o combate à desflorestação: a União Europeia e os EUA.

Nos dias 22 e 23 de abril, a Administração Biden organizou a conferência “A Cimeira da Terra” para trazer de volta os Estados Unidos para os compromissos assumidos no Acordo de Paris. Independentemente de alguma desilusão com o que Biden anunciou neste encontro, era importante uma rutura desta nova Administração com a despreocupação climática que foi evidente durante o mandato de Trump, e era importante colocar em cima da mesa uma peça do puzzle climático que tem sido demasiadas vezes negligenciada e subfinanciada: as florestas do nosso planeta.

Era expectável que a Administração Biden utilizasse a cimeira para tomar uma posição mundial em relação aos países que possuem florestas tropicais como o Brasil, Indonésia, e a República Democrática do Congo, e que pouco têm conseguido fazer para impedir a destruição das suas florestas pela agricultura e pecuária intensivas, pela exploração madeireira e pela mineração. Neste caso, foi importante Biden marcar uma posição de diálogo com estes países que os obrigue a reconhecer adequadamente os direitos dos povos indígenas e que cumpram medidas que salvaguardem as áreas protegidas.

A desflorestação será uma das prioridades de Joe Biden, esperando-se que os EUA redobrem os seus esforços para acabar com o comércio de soja, óleo de palma e outras mercadorias quando provenientes de produção em terras ilegalmente desmatadas. A desflorestação ilegal desenfreada é uma catástrofe, tanto para o ambiente como para os direitos humanos.

Do lado da Europa, onde a presidência do Conselho da União Europeia é coordenada até final de junho por Portugal, estamos a assistir a uma competição amigável com os EUA, para não ficarmos para trás nesta liderança no combate das alterações climáticas. É certo que se chegou a um acordo provisório no seio do Conselho para a Lei Europeia do Clima, na véspera da Cimeira da Terra organizada pelos EUA, exatamente para a Europa se apresentar neste encontro um passo ligeiramente à frente. No entanto, esta lei acabou por ser pouco ambiciosa, uma vez que o acordo provisório contém uma meta climática para 2030 de redução de pelo menos 55% das emissões líquidas, muito abaixo da meta de 65% que a ciência afirma ser necessária e misturando reduções de emissões com remoção de carbono por sumidouros.

Com uma Lei Europeia do Clima aquém do que é necessário, resta agora ter alguma esperança em relação à implementação da Estratégia “Do Prado ao Prato”, a nova Política Agrícola Comum (PAC) e a nova legislação que a Comissão Europeia irá em breve propor para travar a entrada no mercado da União Europeia de produtos resultantes da desflorestação em países terceiros. Estes três instrumentos serão fundamentais para a Europa mitigar a sua responsabilidade na desflorestação do nosso planeta.

Em abril, a WWF lançou um relatório onde demonstra que a União Europeia é o segundo maior importador de desflorestação do planeta. Os produtos que causam a desflorestação estão nos carrinhos de compras e nos pratos dos europeus, portugueses incluídos, sem que nós, os consumidores, tenhamos outra opção. Portugal, por exemplo, aparece como o 6.º Estado-membro com maior consumo per capita associado à desflorestação relacionada com o comércio internacional. O nosso país foi responsável pela destruição em média de 7200 hectares de florestas tropicais por ano entre 2005 e 2017, relacionada com a importação global de bens causadores de desflorestação.

Igualmente importante será articular os instrumentos mencionados em cima com a Estratégia de Financiamento Sustentável da União Europeia adotada  em abril para que se mobilize o setor privado a desempenhar um papel crucial na transição e invista de forma mais sustentável, nomeadamente no setor da agricultura e da produção alimentar. Nesta matéria, os EUA também estão alinhados. O enviado especial do Presidente norte-americano para o clima, John Kerry, anunciou também no mês passado o novo plano para impulsionar os esforços do sistema financeiro no sentido de ajudar a economia global a caminhar para a neutralidade carbónica.

Para que este campeonato da desflorestação não morra na praia, é necessário mais do que nunca que a Europa e EUA se unam para criar regras que excluam dos seus mercados mercadorias e produtos ligados à desflorestação. Só com uma lei eficaz – que garanta aos consumidores que não consomem produtos associados a desflorestação e conversão de habitats, e só com escolhas alimentares conscientes, como a opção por produtos locais, certificados e/ou biológicos – é que se pode travar a destruição irremediável de algumas das zonas naturais mais importantes do nosso planeta.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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