Um momento decisivo para a Lei do Clima Europeia

A Lei do Clima Europeia pode, e deve, vir desempenhar um papel essencial em toda a política climática da União Europeia durante as próximas décadas.

Desde que Lei do Clima Europeia foi proposta pela Comissão Europeia, o Parlamento Europeu tem-se mostrado proactivo no sentido de a tornar mais ambiciosa, tendo os Estados-membros mostrado maiores reservas. O diálogo entre estas três partes aproxima-se do fim e tem hoje um momento importante - decorre hoje uma reunião de concertação e a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia tem um papel decisivo na procura de um resultado consensual e ambicioso. Há que alcançar um equilíbrio entre ser-se capaz de finalizar as negociações rapidamente, de forma a articular com o pacote legislativo “Fit for 55” (o pacote que adequa as leis europeias à nova meta de redução de emissões de 55% até 2030), calendarizado para Junho de 2021, e não tomar decisões apressadas que minem o potencial da lei como uma ferramenta robusta de governança climática.

A Lei do Clima Europeia, à semelhança da portuguesa em processo de adopção, visa verter na legislação o objectivo da neutralidade climática até 2050. Contudo, é na década que temos pela frente até 2030, a mais decisiva, que se vai verdadeiramente jogar o futuro do planeta, e o (in)sucesso no combate à crise climática. Por isso, embora o objectivo de longo prazo seja importantíssimo, não o é menos o objetivo para 2030, o qual faz igualmente parte do debate em curso, sendo o mais determinante para o tipo de planeta em que viveremos.

Em Dezembro de 2020 os líderes europeus acordaram rever em alta a ambição climática. Contudo, o objectivo traçado para 2030, “de pelo menos uma redução em 55% das emissões líquidas”, não é suficiente para cumprir os 1,5°C do Acordo de Paris, pelo que há que ser mais audaz. Isto pode ser feito de várias formas pelo Parlamento: a primeira é aumentando o objectivo para -60% de emissões (que foi a sua proposta); a segunda é retirando a palavra ‘líquidas’ do objectivo, obrigando assim a um corte de emissões mais alto porque as emissões negativas dos sumidouros, como as florestas, deixam de ser contabilizadas; e a terceira é fazendo incluir as emissões da aviação e navegação internacionais no objetivo, as quais estavam parcialmente incluídas no objectivo anterior de -40%, não havendo motivo para as afastar do objectivo de -55%.

Paralelamente, uma Lei do Clima constitui uma oportunidade ímpar para estabelecer princípios de decisão política baseada em critérios científicos, criando para isso um comité científico independente. Este órgão, proposto pelo Parlamento, junta especialistas do mais alto nível em várias disciplinas do saber, tal como climatologistas, economistas, ou sociólogos, no caso Europeu provindos de toda a União, que aconselham de uma forma transparente os decisores políticos, contribuindo para a sua responsabilização, e estimulam e informam o debate público. Têm sido levantadas objeções a este comité. Uma delas, alegada por alguns Estados-membros, é que o comité pode ser visto como um concorrente do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), abrindo a possibilidade de países interpretarem a ciência climática de diferentes formas. Tal objecção, embora legítima de ser ponderada, é infundada. O comité proposto, chamado Conselho Europeu para as Alterações Climáticas, não monitorizará ou publicará emissões na União Europeia (UE) ou Estados-membros, mas sim emitirá pareceres à UE baseados no estado da arte da ciência, complementando-se ao IPCC traduzindo o seu conhecimento para o contexto europeu.

Estes órgãos consultivos na área do clima já existem em vários países europeus, como a Irlanda, França, Dinamarca ou Espanha, nos quais se têm revelado essenciais para a governação climática. Normalmente, o seu enquadramento legal é feito nas leis do clima nacionais (tal como, aliás, várias propostas dessa lei em Portugal, oriundas de diversos partidos, prevêem). É todavia vital que este órgão seja absolutamente independente, nomeadamente do governo e de grupos de interesse, pelo que o exercício do cargo de membro do comité climático tem de estar bem tipificado, nomeadamente através da definição das suas incompatibilidades; só desta forma a Lei do Clima poderá revelar-se um instrumento verdadeiramente enquadrador e eficaz em toda a política climática, ajudando a criar condições para um futuro ambiental - e economicamente mais sustentável e justo. Os Estados-membros todos, incluindo obviamente Portugal, devem reconhecer o mérito desta figura na construção de um caminho para a UE compatível com Paris.

As leis nacionais, sem excepção da portuguesa, deverão ainda prever mecanismos que garantam a prestação de contas perante a lei, fazendo assim garantir que na prática os compromissos são respeitados. É de saudar que o Parlamento Europeu tenha proposto uma disposição na lei europeia que dá o direito às pessoas afectadas, bem como às organizações não-governamentais (ONG), de iniciar um processo num tribunal nacional de um Estado-membro que viole a legislação climática, algo que está consignado em Portugal, mas não em todos os países da União Europeia.

Em súmula, a Lei do Clima Europeia pode, e deve, vir desempenhar um papel essencial em toda a política climática da União Europeia durante as próximas décadas. A sua discussão deve ser ampla e esclarecida, trazendo-a para o centro do debate público, e, à medida que o fim da discussão e das negociações se aproxima, torna-se imperioso obter um consenso político alargado, o qual é imprescindível para se conseguir uma lei forte e de longo alcance na sustentabilidade climática.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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