Exercício físico: como criar uma rotina para a vida

O exercício físico não se deve adequar apenas aos nossos gostos, personalidade e estilo de vida, mas também aos nossos estados de espírito e flutuações hormonais.

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"Encare o exercício físico como um investimento, como se estivesse à procura de uma casa para comprar" Scott Webb/Unsplash

Já todos sabemos: o exercício físico faz maravilhas à nossa saúde física, mental e emocional. É uma peça essencial neste puzzle de como ter uma vida saudável. Então por que é tão difícil comprometermo-nos com algo que só nos faz bem? O segredo para criarmos uma boa rotina de actividade física, que conseguimos manter nos bons e nos maus momentos, não é força de vontade, tempo ou dinheiro. O segredo é fazer tábua rasa e começar pelo princípio: ouvir o nosso corpo, identificar o que ele quer e necessita. O exercício físico tem de se ajustar a nós, não somos nós que temos de nos ajustar a ele.

Os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística, relativos a 2019, mostram que quase dois terços dos portugueses não praticam qualquer actividade física. A nível mundial, segundo a Organização Mundial de Saúde, poderiam evitar-se até cinco milhões de mortes por ano apenas com um aumento do exercício físico. Os números são alarmantes mas, infelizmente, não parecem ser suficientes para nos convencer a sair do sofá.

Para muitas pessoas, é difícil ultrapassar a crença de que não gostam de fazer exercício, nem nunca vão gostar. Outras até gostam, mas ou não sabem bem do quê ou têm dificuldade em incorporá-lo no seu dia-a-dia. São aquelas que se inscrevem no ginásio e vão activamente durante umas semanas, mas depois perdem o entusiasmo e a única coisa que vêm a mexer é os cifrões que saem da conta todos os meses. Já fiz parte dos dois grupos. Como dar a volta a isto? Como criar uma rotina que seja fácil de manter e nos permita retirar todos os benefícios que a actividade física traz para a nossa saúde? É isso que vamos ver, passo a passo.

Escolher o exercício certo

Se encara a actividade física como um sacrifício ou um item da sua extensa lista de afazeres, talvez não esteja a dar ao seu corpo o tipo de exercício que ele realmente quer e precisa.

Quantas vezes já disse ou já ouviu alguém dizer: “Eu não gosto de ir ao ginásio, mas tem de ser.” Tem de ser porquê? A menos que seja um atleta de alta competição ou um bodybuilder, há alguma razão para se submeter ao lema “no pain, no gain” (“sem dor, não há ganhos”)? Muitas vezes, somos empurrados para o ginásio ou para outra actividade física porque “é o que toda a gente faz”. Logo: “Se eu não consigo, o problema é meu, eu é que sou preguiçosa ou tenho falta de força de vontade.” Não. Simplesmente, o ginásio pode ser não ser o sítio certo para si.

Já tive várias clientes que me diziam que gostavam mesmo era de ter aulas de boxe, de equitação, de ioga ou de ténis. E, no entanto, estavam inscritas em ginásios onde raramente iam. Tendemos a escolher o que parece mais simples, mais conveniente, mais acessível, às vezes mais económico também. Mas não valerá mais a pena investir — tempo, dinheiro, energia — em actividades de que realmente gostamos e nos entusiasmam?

Encare o exercício físico como um investimento, como se estivesse à procura de uma casa para comprar. Não vai ficar logo na primeira opção, só porque é mais fácil e conveniente, pois não? Provavelmente, vai procurar exaustivamente até encontrar algo que encaixe no seu perfil, que corresponda aos seus objectivos e no qual se imagine a viver, se não para sempre, pelo menos durante algum tempo. Faça o mesmo quando escolher a sua actividade física.

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Fitsum Admasu/Unsplash

Para perceber qual o exercício mais adequado para si, use este guia:
a) Pense no que gostava de fazer em criança
Gostava de dançar, andar de bicicleta, nadar? Este pode ser um bom ponto de partida para escolher o seu tipo de exercício físico, se não tem a mínima ideia por onde começar.

b) Experimente várias opções
Nada como experimentar para perceber o que realmente gosta. Tem curiosidade no ioga ou no surf? Faça uma ou duas aulas. Às novas actividades que descobrir, junte aquelas que já sabe que gosta (por exemplo, caminhar ou correr). Assim tem um leque de opções à disposição.

c) Escolha algo adequado à sua personalidade
Alguns exemplos:

  • Se tem uma personalidade mais preponderante e competitiva, os desportos de competição vão trazer-lhe o desafio e a energia que precisa (ex: futebol, ténis, corrida, etc.);
  • Se gosta de estar rodeado de pessoas, e fazer do exercício físico um momento de interacção e diversão, pode experimentar aulas de grupo num ginásio ou aulas de dança;
  • Se não gosta de multidões, pode preferir treinar sozinho, seja no ginásio ou em casa (há imensas apps e canais de YouTube à disposição). Pode também treinar acompanhado por um personal trainer;
  • Quem procura no exercício físico uma forma de parar e relaxar, pode preferir aulas de ioga ou pilates.
  • Quem odeie fazer exercício num espaço fechado, só tem uma solução: sair para a rua. Pode fazer caminhadas, correr, fazer ioga no jardim (ou num terraço ou varanda, se tiver), experimentar surf ou bodyboard, ténis ou padel, inscrever-se em grupos de caminhadas aos fins-de-semana...

d) Quando sente mais energia?
Algumas pessoas têm mais energia de manhã, enquanto outras estão mais activas à tarde. Ajuste o horário do seu exercício físico em função disso. Não há uma altura certa ou errada para mexer o corpo. Mais uma vez, é uma questão de experimentar, e perceber como se sente melhor.

Ouvir o corpo

Movimentar o corpo é muito parecido ao acto de nos alimentarmos. A partir do momento em que entendemos que tipos de movimentos gostamos e nos fazem bem, podemos escolher de entre um menu de actividades a que faz mais sentido para nós num determinado dia e contexto.

Há dias em que o nosso corpo nos pede uma prática mais vigorosa (como kickboxing, corrida ou treino de alta intensidade) e outros em que necessita de práticas mais suaves, como ioga, alongamentos ou uma simples caminhada. Há dias em que simplesmente lhe vai pedir para não fazer nada, e não há mal nenhum nisso.

O exercício físico não se deve adequar apenas aos nossos gostos, personalidade e estilo de vida, mas também aos nossos estados de espírito e flutuações hormonais (no caso das mulheres, o ciclo menstrual pode influenciar muito a escolha da actividade física). Tal como a alimentação, ele ajuda a trazer equilíbrio ao corpo e à mente, e é com esse intuito que deve ser praticado, e não porque “tem de ser” ou com vista a atingir um determinado número na balança.

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Katee Lue/Unsplash

Pôr na agenda

A partir do momento em que identificou aquilo de que gosta, ponha na agenda. Mas ponha mesmo, como se fosse uma reunião, uma consulta ou uma ida ao supermercado. Analise em que alturas do dia lhe dá mais jeito fazer exercício: de manhã, antes de começar a trabalhar? À hora de almoço? Depois do trabalho? Se está em teletrabalho, será que pode aproveitar aqueles momentos “mortos” e meio da manhã ou da tarde?

Mas, sobretudo, mantenha-se flexível. Se a sua rotina lhe permite treinar todos os dias à mesma hora, óptimo. Mas se não permite, não há problema. Se calhar num dia consegue fazer uma pequena prática de ioga de manhã, noutro consegue encaixar um pequeno treino à hora de almoço e noutro decide dar uma caminhada ou uma corrida no fim do trabalho. O que interessa é que programe a sua agenda tendo em conta os seus objectivos a este nível. Se não estiver no calendário, é mais fácil ficar para segundo ou terceiro plano.

Incorporar mais movimento no dia-a-dia

Ser fisicamente activo não significa apenas fazer um determinado desporto, ir ao ginásio ou ter aulas disto ou daquilo. Há formas bem simples de trazermos mais movimento para o nosso dia-a-dia: subir as escadas em vez de usar o elevador, ir a pé ou de bicicleta para o trabalho ou nas suas deslocações, estacionar o carro mais longe quando temos de ir a algum lado, passear o cão, caminhar ao fim do dia no seu bairro (mesmo que não seja em ritmo acelerado) em vez de vegetar todos os dias em frente à televisão.

Dançar é também uma óptima maneira de pormos o corpo a mexer, e não temos de nos ir inscrever em aulas de dança ou de ir para nenhuma discoteca (como se tal fosse possível, nos tempos que correm). Podemos simplesmente aproveitar para abanar o esqueleto ao som da nossa playlist preferida enquanto limpamos a casa ou cozinhamos.

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Arranje uma forma de prestar contas

Uma das melhores maneiras de garantir uma prática consistente de exercício físico é sermos responsabilizados por isso, ou seja, termos de prestar contas a alguém. Uma das maneiras de o fazer é termos uma rotina de actividade física partilhada com outra pessoa — um amigo, familiar ou o seu companheiro(a) — pode ser até uma óptima forma de fortalecer relações. É também para isso (e não só, claro) que servem os personal trainers.

Pode também pedir a alguém que o “obrigue” a prestar contas ou fazê-lo a si próprio, através de uma espécie de diário. Nele pode registar os seus objectivos, a actividade física realizada e o impacto que isso tem na sua vida (na alimentação, no sono, no stress, no funcionamento intestinal, nos níveis de energia...). Ao documentarmos a nossa actividade e os seus benefícios, é mais fácil mantermos o foco e apercebermo-nos do nosso progresso.

E lembre-se: o exercício físico também é um músculo que se treina. À medida que vamos fazendo e sentindo os benefícios (físicos e emocionais), mais vontade temos de o praticar. Só custa dar o primeiro passo. Por isso, certifique-se que dá o passo certo e que ouve o seu corpo nesse processo. E, sobretudo, não seja demasiado exigente consigo próprio. Melhor que um plano ambicioso é um plano implementado.


Health coach, autora do projecto About Real Food

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