Governo britânico abre inquérito a escândalo de lobbying que envolve Cameron

Esforços do ex-primeiro-ministro podem não ter resultado em ganhos para a empresa onde era consultor, mas os contactos que manteve com membros do Governo serão agora investigados, a pedido de Boris Johnson.

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Cameron deixou o Governo e a liderança dos conservadores depois do referendo do "Brexit" SIMON DAWSON/Reuters

Horas depois de David Cameron ter admitido “erros” no seu papel de consultor na empresa Greensill Capital, em processo de insolvência desde Março, o Governo britânico anunciou a abertura de uma investigação independente às actividades do ex-primeiro-primeiro. Cameron, que durante meses fez lobby para a Greensill, admitiu que deveria ter agido de uma forma diferente e usado “os canais mais formais” nos contactos com vários membros do Governo de Boris Johnson.

Lex Greensill foi contratado para aconselhar o Governo durante a liderança de Cameron, entre 2010 e 2016. Quando deixou o poder, foi Cameron que se tornou consultor na empresa do banqueiro australiano. Segundo os jornais Financial Times e The Sunday Times, Cameron contactou directamente o ministro das Finanças, Rishi Sunak, e marcou um encontro entre Greensill e o ministro da Saúde, Matt Hancock.

O Ministério das Finanças diz que Cameron falou com Sunak e com dois secretários de Estado para pedir o acesso de Greensill aos esquemas de empréstimos que o Governo ia lançar em resposta à pandemia de covid-19 – várias mensagens de texto enviadas por Sunak a Cameron foram entretanto publicadas, com o ministro a dizer ter “posto a sua equipa” a estudar o pedido de Cameron, isto no início da pandemia. A Greensill era especializada em empréstimos de curto prazo.

Downing Street fez saber esta segunda-feira que o primeiro-ministro, Boris Johnson, considera que há “interesse significativo” no tema e quer “garantir que o Governo é completamente transparente sobre as suas actividades”. Daí ter sido pedido uma investigação para examinar “questões de financiamento e o papel desempenhado por Greensill”, bem como “a forma como os contratos foram assinados”. O inquérito, chefiado pelo perito legal Nigel Boardman, incluirá ainda “contactos com empresas, incluindo o lobbying privado de Cameron”, e Johnson quer que seja concluído depressa.

A decisão de ordenar uma investigação à conduta do antecessor “não tem precedentes recentes”, escreve o Financial Times, citando próximos do Governo surpreendidos com a abrangência do inquérito. Numa referência à antiga rivalidade entre os dois políticos, um ex-ministro do Partido Conservador citado pelo FT diz que “Boris adoraria atirar Dave aos leões”.

Cameron, no seu primeiro comentário desde as notícias iniciais, há um mês, diz que não violou regras de conduta nem do Governo, mas aceita que deveria ter agido de outra forma, para “que não houvesse espaço para más interpretações”. Segundo o ex-chefe do executivo, apesar dos seus esforços, as suas propostas não avançaram – enquanto accionista da Greensill, Cameron teria muito a ganhar com qualquer negócio.

O papel de Cameron neste escândalo é particularmente embaraçoso, nota o diário The Guardian, lembrando como disse que imporia regras aos lobbies quando era primeiro-ministro, denunciando “o excesso, o privilégio e a isenção de regras que infectou o Parlamento”. Na altura, descreveu lobbying como “os almoços, os convites, a palavra discreta aos nossos ouvidos” – domingo, soube-se que organizou um encontro entre Hancock e Greensill.

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