Alerta: procuram-se novas bandas e artistas queer

Chama-se Amoras Silvestres e lança agora uma open call para bandas e artistas emergentes. As propostas seleccionadas estarão em Maio a actuar na Casa Independente, com Aurora Pinho, Violeta Luz e Vitória & The Kalashnicoles como cabeças-de-cartaz. “Espero que incentive as pessoas a fazer coisas e a partilhá-las”, diz uma das organizadoras, a realizadora Francisca Marvão.

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Vitória & The Kalashnicoles, que preparam neste momento o seu álbum de estreia, serão cabeças-de-cartaz no último dia de Amoras Silvestres DR
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A música, bailarina, actriz e performer Aurora Pinho editou em Março o seu novo álbum, Flesh Against Flesh ,
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Violeta Luz, outra das cabeças-de-cartaz, estreou-se em disco o ano passado, com o EP Melancolia DR

É uma chamada, uma open call lançada a quem ainda anda a trabalhar na sombra, a dar os primeiros passos, a procurar espaço que seja palco para se mostrar. Amoras Silvestres é o nome e o objectivo é claro, como lemos no texto que apresenta o projecto: “Tem como fim dar uma maior projecção a bandas e artistas queer emergentes, assim proporcionando a difusão de práticas musicais que tenham mensagem queer ou reflictam de algum modo as identidades sexuais e/ou de género des respectives autores”. O prazo para entrega de candidaturas começa esta quinta-feira, dia 1 de Abril, e prolonga-se até 30 do mesmo mês. Em Maio, as seis seleccionadas pelo júri apresentar-se-ão ao vivo na Casa Independente, em Lisboa. Posteriormente, uma delas terá garantida a edição de um álbum e a presença no cartaz do próximo Queer Fest, marcado para Setembro.

Co-organizado pela Uma Ova, nova estrutura criada pela realizadora Francisca Marvão (ela chama-lhe movimento e pretende que seja uma rede de entreajuda para mulheres e pessoas queer em diversas áreas artísticas), pelo Queer Fest, pela Hysteria, nova plataforma de edição, promoção e programação, dedicada a artistas mulheres, queer e de género-fluído (será a responsável pela edição do álbum), e pela Casa Independente, Amora Silvestre pretende ser palco que estimule o sentido de comunidade, um espaço seguro em que músicos e músicas queer emergentes, de todo o país, se possam revelar, inspirar e inspirar-se. Apesar de sentir que “as coisas melhoraram nos últimos anos” quanto à afirmação, à visibilidade e à vivência livre, sem constrangimentos sociais, das pessoas queer em Portugal, ainda há muito caminho a percorrer e a carantonha horrenda do preconceito é uma realidade que não pode ser ignorada.

“Estamos numa luta e as pessoas precisam de se sentir num espaço seguro.” E há também a “questão do empoderamento” daí decorrente e a possibilidade, de através da Casa Independente, se aceder a um espaço de visibilidade diferente do permitido pelo meio underground em que as bandas e artistas queer habitualmente se movem, diz ao PÚBLICO Francisca Marvão, realizadora de Ela É uma Música, documentário estreado em 2019,  sobre o rock português no feminino e onde encontrávamos várias gerações e expressões musicais (das veteranas Raincoats de Ana da Silva a Calcutá ou às Anarchicks).

Para se candidatarem, as bandas/artistas deverão enviar dois temas originais, em áudio ou vídeo, para amorassilvestres@protonmail.com. Está vedada a participação a menores de 18 anos ou, lê-se no regulamento, a “bandas/artistas que já detenham contractos discográficos e obras editadas (à excepção de temas incluídos em álbuns/EP auto-editados), bem como um acompanhamento pelos media em forma de crítica, artigo ou entrevista”.

As seis propostas seleccionadas serão anunciadas nas redes sociais da Amoras Silvestres no dia 3 de Maio, actuando depois ao longo de três dias (14, 21 e 28 de Maio) na Casa Independente. Cada um dos dias terá como cabeça-de-cartaz, respectivamente, Violeta Luz (cujo EP de estreia, Melancolia, saiu o ano passado), Aurora Pinho (acabou de editar Flesh Against Flesh, o seu álbum mais recente) e Vitória & The Kalashnicoles (gravam neste momento o seu disco de estreia), nomes que, por si só, dão mostra da diversidade musical que encontramos no seio da comunidade – o synth-pop, paredes-meias com R&B, de Violeta Luz, a electrónica tingida a negro industrial da também bailarina e performer Aurora Pinho, o rock de ascendência riot-grrrl de Vitória & The Kalashnicoles. Francisca Marvão confirmou esse caleidoscópio estético no trabalho inicial para o documentário em preparação. “Não há uma corrente específica, existe de tudo, punk e música industrial, rock, pop e música experimental, hip-hop, trap, o fado dos Fado Bicha.”

Francisca Marvão refere que “desde há três, quatro anos” assistimos a “uma mudança real” em termos de criação e activismo artístico na comunidade queer. Vê-o como fruto de diversos factores diferentes, como sejam, aponta, o trabalho de André e. Teodósio no Teatro Praga e a forma como aborda e dá visibilidade a questões LGBTI+ (“do teatro para as performances, depois chegamos à parte musical”), a vinda para Portugal de muitos artistas do Brasil, país “com uma comunidade queer muito forte há muito tempo” (refere os Venga Venga e recorda como a passagem por cá de Linn da Quebrada “deixou tudo ao rubro”) ou mesmo a maior acessibilidade a cirurgias de transição de género, que dá coragem e mais força à afirmação identitária.

Amoras Silvestres nasce entre todo este contexto. Chega para que floresçam mais vozes e mais criatividade. Para que a cena existente cresça e se expanda. Francisca Marvão conta que, no final das sessões em que era exibido Ela é uma Música, uma das coisas que lhe dava mais prazer era falar com adolescentes que se diziam inspiradas, legitimadas e incentivadas pelo que tinham visto: “Fiquei cheia de vontade de fazer uma banda”, exclamavam. Com Amoras Silvestres, o desejo de Francisca Marvão é semelhante: “Espero que incentive as pessoas a fazer coisas e a partilhá-las.” Venham novas bandas, novas canções, novas vozes, novas expressões. Sairemos todos a ganhar.

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