Suspeita de comentário racista pode pôr em causa sucessão ao trono britânico?

Um membro da família real terá feito um comentário racista e, com a dica de que não foi nem a rainha nem o príncipe Filipe, as suspeitas recaem sobre Carlos e William — poderão o Reino Unido e a Commonwealth tolerar um rei racista?

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Meghan é, segundo uma sondagem do mercado online OnBuy, a personalidade mais popular da família real britânica Reuters/POOL

Mais do que as questões relacionadas com o sofrimento vivido pelo casal Harry e Meghan durante o tempo em que se sentiam “encurralados” (termo do duque) no sistema da família real ou da forma como a família os deixou arder na fogueira mediática — “Estavam dispostos a mentir para proteger outros membros da família, mas não a dizer a verdade para me protegerem e ao meu marido”, disse Meghan, numa alusão, dizem alguns especialistas, ao escândalo do envolvimento do príncipe André com o magnata norte-americano Jeffrey Epstein, acusado de tráfico sexual —, há um ponto que sobressai da entrevista que os dois deram a Oprah e que pode colocar em causa a sucessão ao trono: a questão do racismo.

Segundo Meghan, um membro da família mais próxima questionou a cor da pele de um bebé de ambos na altura em que estava grávida de Archie, pondo ainda em causa que terá sido por isso que o rapaz não recebeu o título de príncipe. Harry corrigiu a informação: a conversa que relatou à ex-actriz, afinal, terá acontecido logo no início da relação de ambos.

O príncipe recusou-se a entrar em detalhes ou a nomear quem teceu o comentário. Mas, após a transmissão da entrevista, a apresentadora Oprah Winfrey esclareceu que Harry lhe confidenciou que a cor de pele de um descendente seu com Meghan não foi questionada pelos avós, excluindo da lista a rainha Isabel II e o príncipe Filipe (o segundo estava no topo das suspeitas, de acordo com comentários nas redes sociais de quem assistia à entrevista do outro lado do Atlântico, por ser o que da família terá “menos filtros”).

Face a esta informação, e tendo em conta que o autor da pergunta foi, segundo o casal, um membro-sénior da família, sobram poucas alternativas, com o foco a apontar directamente para o segundo e terceiro na linha de sucessão ao trono: o pai de Harry, o príncipe Carlos, e o irmão mais velho, William. É certo que também poderia ter sido dito por Camila ou Kate, mas ninguém está disposto a acreditar que um comentário da madrasta ou da cunhada afectasse tanto Harry.

A semente está lançada: se, de facto, Carlos ou William consideraram um problema a possibilidade de a cor de pele de um filho de Harry ser mais escura, isso significa que um deles é racista, restando uma questão por responder: como pode o Reino Unido e a Commonwealth (que Meghan lembra, durante a conversa com Oprah, ser maioritariamente negra) aceitarem um monarca preconceituoso?

Agora, tanto defensores da monarquia como de uma futura república exigem saber a quem é dirigida a acusação. É que “sem mencionarem Carlos ou Willam”, Meghan e Harry permitiram um “grotesco e prejudicial jogo de adivinhação”, escreveu no Twitter o jornalista britânico Dan Wootten.

Um deputado do partido conservador disse sob anonimato ao Daily Mail que ainda apoia a rainha, mas sugeriu que Meghan e Harry pareciam estar a dizer à família real: “Tenho esta arma nuclear e vou detoná-la.”

Graham Smith, líder do Republic, um grupo britânico de pressão republicano, que defende a abolição da monarquia, considerou, citado pela Newsweek, que o “Palácio precisa de ser franco e dizer: ‘foram feitas acusações graves, eis o que aconteceu e vamos investigar o assunto’”. “[Harry e Meghan] não disseram quem foi e se isto não for esclarecido haverá sempre a dúvida”, vaticinou.

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Terá sido um membro sénior da família real a comentar a cor de pele dos futuros filhos de Harry e Meghan Reuters

Uma dúvida que poderá custar o trono a Carlos, numa monarquia que muitos olham como ultrapassada e extremamente dispendiosa, que tem vindo a ser obrigada a cortar gastos. Aliás, o último facto poderá ser o verdadeiro motivo pelo qual Archie não recebeu o título de príncipe, assim como aconteceu com os restantes bisnetos da rainha, à excepção dos filhos de William, correspondendo às exigências da sociedade para emagrecer as despesas da Coroa. É que um título implica também despesa para os contribuintes, nomeadamente com a questão da segurança, apontada por Meghan, e Archie chega com muitos à sua frente (é sétimo), levando a crer que nunca chegará a sentar-se no trono. Ou seja, para precisar de facto de protecção teria de estar mais perto do futuro monarca.

Um cenário muito improvável, mas nem por isso impossível. Até porque, demonstra a história, nem sempre o mais óbvio acontece: Isabel II passou a sua infância longe da ideia de um dia vir a ser rainha, sendo apenas a sobrinha do rei (Eduardo VIII, muito apreciado pelos americanos, depois de ter abdicado para se juntar à norte-americana divorciada Wallis Simpson)​. E já soma 69 anos aos comandos de 16 nações — além do Reino Unido, é rainha em Antígua e Barbuda, Austrália, Bahamas, Barbados, Belize, Canadá, Granada, Jamaica, Nova Zelândia, Papua-Nova Guiné, Ilhas Salomão, Santa Lúcia, São Cristóvão e Neves, São Vicente e Granadinas e Tuvalu.

Claro que, para isso acontecer, Harry teria de ascender ao trono e fazer de Meghan rainha. E esse rebuscado cenário obrigaria a muitos condicionantes. Ainda que, com a morte da soberana e caso Carlos e William se vejam impossibilitados de ascender, os filhos do segundo poderão ser ainda demasiado novos para a responsabilidade, abrindo caminho ao regresso do tio ao Reino Unido pela porta da frente.

Mais ainda quando Meghan, a mais popular da família real britânica, ​se retrata, a dada altura, na conversa com Oprah, como a rainha perfeita para a Commonwealth: “A Commonwealth é uma parte enorme da monarquia (…) e 67% das pessoas são de cor. Crescendo como uma mulher de cor, como uma menina de cor, eu sei o quão importante é a representatividade, sei que se quer ver em certas posições alguém que se pareça connosco. Há uma frase que diz ‘se consegues ver, consegues ser – consegues ser!’. E eu penso sobre isso tantas vezes, especialmente no contexto das meninas (…), sobre a importância de verem nesta posição alguém que se parece com elas. Nunca perceberei porque isto não foi visto como uma mais-valia e um reflexo do mundo de hoje.” 

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