Covid-19: Israel incentiva a vacinação com combate à desinformação ou uma dose de estufado

Com abundância de vacinas, o Estado hebraico tenta dar mais vantagens a quem for vacinado, como poder ir ao ginásio ou à mesquita. Ou levar comida para casa no dia da vacinação.

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Vacinação em Bnei Barak, que tenta acelerar o ritmo recorrendo a oferta de uma dose de estufado ABIR SULTAN/EPA

Enquanto a campanha de vacinação esteve restrita aos mais velhos e pessoas de maior risco, Israel vacinou como nenhum outro país. Mas quando a campanha abriu a todas as idades, o ritmo abrandou, deixando a descoberto o que pode ser o problema seguinte de qualquer campanha de vacinação: as pessoas que hesitam em tomar a vacina ou que recusam mesmo ser vacinadas.

“Centenas de milhares de israelitas disseram não à vacina contra a covid: de que estão à espera?” titulava o jornal Haaretz. Até agora, foram vacinadas com pelo menos uma dose cerca de 40% das pessoas em Israel (o que corresponde a 60% das elegíveis para tomar a vacina). Um inquérito levado a cabo no mês passado pelo Instituto de Política Social na Universidade de Washington focou-se nas pessoas que ainda não tinham sido vacinadas, para perceber melhor quem são e por que hesitam. Dos inquiridos que não tinham sido vacinados, 40% disse que não planeia mesmo fazê-lo.

A maioria que não pretende ser vacinada dá como razão o medo dos efeitos a longo prazo da vacina (53%), a falta de confiança nas farmacêuticas (35%) ou no Governo (30%), em relação às garantias de segurança, e 23% não acreditam na eficácia das vacinas em geral.

A maior oposição é na comunidade árabe israelita, seguida da de pessoas que emigraram da antiga União Soviética e dos ultra-ortodoxos. Os árabes israelitas e os ultra-ortodoxos são também as comunidades que menos cumprem as regras do confinamento.

Com o abrandamento do ritmo de vacinação, as autoridades estão a lutar em todas as frentes, de maneira grande e pequena, para levar as pessoas aos centros de vacinação.

Por exemplo, o jornal Times of Israel conta que o presidente da Câmara de Jerusalém, Moshe Lion, se reuniu com representantes da comunidade árabe israelita para lhes dizer que só depois de vacinados é que os crentes terão acesso a mesquitas durante o mês sagrado do Ramadão, que começa a 12 de Abril em Israel.

“Passe verde”

Uma das medidas em cima da mesa é um “passe verde” que identificará quem já foi vacinado e poderá permitir entrada em alguns locais como cinemas, ginásios ou hotéis. Pretende ser um incentivo, sobretudo, para pessoas na casa dos 20 ou 30 anos, que têm menor risco de adoecer e podem não estar com tanta pressa em ser vacinadas.

Israel está a sair lentamente do terceiro confinamento nacional, depois de pressas nos desconfinamentos anteriores terem levado a um grande aumento de casos.

A data estimada para a entrada em vigor desta medida é já dentro de menos de duas semanas, mas ainda não estão definidas todas as vantagens do passe verde, que esteve para ser chamado passaporte, mas a designação caiu para não haver confusões com viagens ao estrangeiro. 

Embora haja também possibilidade de viajar mais facilmente para quem seja vacinado: o primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, e o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, assinaram esta semana em Jerusalém um acordo para permitir viagens de turistas vacinados de um país para o outro.

Tem havido alguma cautela com este tipo de “passaportes de vacinação” porque ainda não está provado que as vacinas contra a covid-19 dificultem a transmissão do vírus (o que fazem é diminuir a hipótese de uma pessoa infectada ficar doente), embora dados preliminares sugiram que terá um efeito também na transmissão.

Antivacinas tentam desperdiçar doses

Em algumas localidades há incentivos mais pequenos. Em Bnei Barak, onde vivem muitos ultra-ortodoxos, a autarquia resolveu fazer uma enorme quantidade de cholent, um estufado feito durante muitas horas, para dar a quem se fosse vacinar. A ideia era criar um acontecimento à volta do estufado (embora típico no shabbat, é comido também noutros dias) e levar mais pessoas ao centro de vacinação.

Mas onde o combate começa a ficar mais sério é na desinformação. O Ministério da Saúde está, diz o Haaretz, prestes a lançar uma campanha para fornecer informação com base científica, por um lado, e monitorizar e até remover páginas em redes sociais que promovam desinformação em relação às vacinas.

“Conseguimos deitar abaixo algumas das páginas de pessoas que espalham notícias falsas e em alguns casos envolvemos a polícia”, disse ao jornal a responsável do Ministério da Saúde com o pelouro da informação e relações internacionais, Einav Shimron.

A polícia tem sido também chamada a actuar em alguns casos de pessoas anti-vacinas que marcam a sua vez nos centros de vacinação sem ter qualquer intenção de ir, para tentarem fazer com que doses da vacina, que têm de ser dadas em poucas horas depois de abertas, sejam desperdiçadas.

A campanha de informação não é dedicada para já a estas pessoas de forte convicção antivacinas, diz Shimron, mas sim a quem esteja indeciso e possa ser susceptível à desinformação.

"Incentivos negativos?”

Até agora, o Governo ainda não pôs em cima da mesa sugestões de “incentivos negativos”, que seria outro dos possíveis modos de aumentar a vacinação, como disse ao Haaretz Michal Grinstein-Weiss, directora do Instituto de Política Social na Universidade de Washington e autora do estudo. Por exemplo, exigir testes diários a quem não tenha sido vacinado, sugere.

A Câmara de Telavive começou, entretanto, a vacinar também refugiados e imigrantes sem documentos, como vinham a pedir organizações de defesa de direitos humanos (viverão em Israel, e a grande maioria em Telavive, cerca de 50 mil refugiados, sobretudo do Sudão e Eritreia, e 80 mil trabalhadores estrangeiros sem documentos).

Antes, Israel tinha ainda enviado 5000 doses da vacina para os territórios palestinianos, embora declinando a responsabilidade de o fazer, argumentando que os palestinianos têm executivos que são responsáveis pela saúde, tanto na Faixa de Gaza como na Cisjordânia, entidades criadas após os Acordos de Oslo de 1993. A Autoridade Palestiniana vai receber vacinas da aliança Covax (de compra conjunta e que permite a países de menor rendimento acesso a algumas doses de vacinas) e ainda de uma doação da Sputnik V, da Rússia. Organizações de direitos humanos argumentam que estes acordos eram de transição para uma solução de dois estados e que como potência ocupante, Israel é responsável pelo bem-estar dos palestinianos na Cisjordânia e Gaza.

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