Mulher francesa recusa autorizar que pai doente seja vacinado contra a covid-19

Fabienne Garbo diz que vacinas contra a covid-19 foram “apressadas pelas farmacêuticas”. Diz querer “proteger” o pai, de 86 anos, que, por sofrer de uma doença semelhante ao Alzheimer, não pode decidir por si mesmo. A filha diz, contudo, que o pai aceitaria ser vacinado se pudesse escolher.

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Fabienne Garbo em videochamada com o pai Reuters

O pai de Fabienne Garbo sofre de uma doença semelhante ao Alzheimer e, por isso, está dentro do grupo de pessoas que pode tomar a vacina contra a covid-19 assim que a França começar a vacinar residentes de lares. Mas há um problema: a filha recusa-se a assinar o formulário de consentimento.

Os episódios em que Claude Garbo, de 86 anos, deixa de reconhecer a filha são cada vez mais frequentes. Claude reage, às vezes, a palavras alemãs depois de uma vida passada na região de Lorena, na França, que faz fronteira com a Alemanha, mas manter uma conversa é uma luta impossível de vencer.

O idoso não está em condições para dizer se quer ou não ser vacinado contra a doença que matou mais de 22 mil residentes de lares de idosos em França (quase um terço de todas as mortes), por isso teve de ser a filha, Fabienne, a decidir por ele.

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A mulher argumenta que o desenvolvimento das vacinas contra o novo coronavírus foi apressado pelas grandes empresas farmacêuticas e que as injecções podem fazer mais mal do que bem – alegações infundadas. Além disso, atesta, há muitas perguntas sem resposta sobre os potenciais efeitos colaterais e a eficácia contra as novas variantes. “Prefiro ser cautelosa e proteger o meu pai em vez de lhe dar uma vacina sobre a qual ainda sabemos pouco”, disse Garbo. “Ele está em risco de ser infectado, mas isso também acontece com qualquer outra doença.”

“O meu pai daria ouvidos ao médico”

Na França, o lançamento inicial da campanha de vacinação ficou atolado em burocracia e processos onerosos destinados a tranquilizar um público duvidoso. Nos lares, cerca de 10% das pessoas recusa-se a ser vacinado, de acordo com a federação dos lares de idosos (FEHAP). Por outro lado, a incapacidade de vacinar todos os residentes pode atrasar o levantamento das restrições rígidas às visitas de familiares e prejudicar as interacções sociais entre os residentes.

Fabienne Garbo disse ter pouca fé num estabelecimento médico convencional que assustou o público e é muito próximo das empresas farmacêuticas. “Não estamos a entrar numa paranóia profunda por causa deste vírus?”, perguntou.

Os defensores da vacinação em residentes de lares de idosos dizem que não só que esta protegerá os cidadãos mais vulneráveis à doença, mas também permitirá que sejam abraçados por entes queridos novamente. Em muitos casos, a separação da família e a falta de contacto físico está a afectar os idosos.

Segundo Louis Matias, representante da FEHAP, as famílias que não permitem que um parente com demência seja vacinado geralmente fazem-no por causa dos seus próprios preconceitos. E isso levanta outros problemas: como é que os idosos que não forem vacinados receberão cuidados médicos nos próximos meses? Quando as visitas forem permitidas novamente devem ser incluídos? “Será um problema. Um problema de organização e um problema de consciência”, disse.

Garbo conta que era frequente que ela e a mãe discordassem sobre a segurança das vacinas, mas afirma que o pai aceitaria ser vacinado se pudesse escolher. “O meu pai daria ouvidos ao médico. Não tive a oportunidade de lhe perguntar.”

Desconfiança nas vacinas

Segundo dados da analista Ipsos, revelados na semana passada, 45% da população francesa não pretende ser vacinada contra a covid-19 (no último estudo da Ipsos, publicado em Dezembro, 60% não queria). Apesar da mudança, os franceses continuam a estar abaixo da média em termos de predisposição para receber a vacina. Além da França, os habitantes da Rússia (54% não quer a vacina), da África do Sul (49% não quer a vacina) e dos Estados Unidos (37% não quer ser vacinado) estão entre os que estão menos motivados para receber a injecção.

As autoridades de saúde francesas reconhecem o problema e notam que a vacinação não é uma corrida rápida. “O início é cauteloso, mas vamos intensificar [o plano] e vacinar em larga escala”, disse à AFP um funcionário do ministério da Saúde francês. “[Enfrentamos] um grande cepticismo da população”, continuou. “Não partimos para um sprint de 100 metros, mas sim para uma maratona”.

Segundo o estudo da Ipsos Global Advisor, o medo de efeitos secundários adversos é a maior razão para evitar a vacina. Outros motivos incluem cepticismo quanto à eficácia da vacina ou a ideia de que a covid-19 não é um risco. Ideias sem fundamento científico.

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