Reversão de freguesias: PS e PSD de acordo para pensar com tempo, BE e PCP querem mudar antes das autárquicas

Matéria divide profundamente o Parlamento, com algumas bancadas a assumirem posições antagónicas. Os quatros diplomas baixaram sem votação à comissão de Administração Pública por 30 dias (60 no caso da proposta do Governo).

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Nuno Ferreira Santos

O Parlamento assistiu nesta sexta-feira a um debate a dois tempos sobre a proposta de lei do Governo e dos projectos de lei do PCP, PEV e Bloco sobre criação modificação e extinção de freguesias: enquanto socialistas, sociais-democratas e centristas querem debater o tema com tempo para que as novas alterações ao mapa administrativo só entrem em vigor com as autárquicas de 2025, o PCP, o PEV e o Bloco pretendem que o processo se faça já, para que a nova geografia autárquica possa entrar em vigor com as eleições que acontecem no Outono.

Como não se entendiam, os partidos preferiram pedir a baixa sem votação dos diplomas à Comissão de Administração Pública, Modernização Administrativa, Descentralização e Poder Local para discussão na especialidade - os projectos de lei por 30 dias, a proposta do Governo por 60.

Se esse foi o principal pomo da discórdia, outros houve que mostram o quão distantes estão as várias bancadas de um entendimento. 

A ministra Alexandra Leitão defendeu que a proposta do Governo - prometida desde a legislatura passada - se baseia nas conclusões do grupo de trabalho que analisou o mapa das freguesias resultante da reforma administrativa do Governo de Passos Coelho e pretende “corrigir erros da reforma territorial de 2013 garantindo a participação obrigatória dos órgãos de poder local e uma estabilidade mínima de três mandatos” para as alterações que forem efectuadas.

“Pretende ir ao encontro das preocupações da Associação Nacional de Municípios (ANMP) e da Anafre”, disse a governante, vincando que se trata de um “regime geral e abstracto, que não visa aumentar ou diminuir o número de freguesias, mas actualizar critérios para a sua criação, modificação e extinção”. Como é o caso de critérios de população (no mínimo 900 eleitores ou, em zonas de baixa densidade, 300), área de território, serviços públicos, história e cultura ou vontade da população. “Para dar estabilidade, não é permitida a criação de freguesias nos seis meses anteriores às eleições e não pode haver alterações nos três mandatos seguintes.”

No final da discussão, Alexandra Leitão vincou que o primeiro objectivo da nova lei-quadro “é colmatar a lacuna legislativa e criar critérios gerais e abstractos - que não são feitos à medida de ninguém” como aconteceu em 2013. A lista inclui nove critérios, sendo que desses só é preciso que se verifiquem cinco e apenas dois são obrigatórios - que a freguesia tenha uma sede e pelo menos um trabalhador. Ou seja, não inclui a obrigatoriedade de uma extensão de saúde, como os partidos reclamaram.

O PCP pretende, no entanto, que o processo se faça já, a tempo das eleições de Setembro ou Outubro, através de um processo transitório e rápido, em que os órgãos autárquicos que se opuseram em 2013 teriam um prazo de 45 dias para fazer chegar a sua vontade ao Parlamento, que depois teria o mesmo prazo para responder. A Assembleia da República criaria então as novas freguesias cujas comissões instaladoras tomariam posse 90 dias antes das próximas eleições, descreveu a deputada Paula Santos, lembrando que a reposição é uma reivindicação das autarquias “geridas pela CDU mas também pelo PS e PSD”.

A extinção de freguesias de 2013 levou ao agravamento das desigualdades territoriais, perda de identidade e da participação política, viram fechar “escolas, extensões de saúde, GNR, e depois a junta de freguesia que era a última porta aberta com ligação ao Estado”, disse a deputada comunista, alegando que a proposta do Governo, que “defrauda as reivindicações das populações”, nem sequer mereceu parecer positivo da ANMP e da Anafre.

Os mesmos argumentos foram usados pelo PEV e Bloco. Os ecologistas querem a reposição urgente de “todas as freguesias extintas cujos órgãos não deram parecer favorável em 2013 mas também das que então concordaram” mas que, depois de fazerem a avaliação da fusão, concluírem que o processo foi prejudicial, apontou José Luís Ferreira.

O bloquista José Maria Cardoso pegou nos prazos do Governo para dizer que este, afinal “quer adiar” o processo para daqui a quatro anos, o que mostra que, ao contrário do que inscreveu nos programas de Governo, não faz “tenção de repor freguesias”.

A socialista Maria da Luz Rosinha defendeu uma discussão na especialidade “sem pressas e com audição dos órgãos do poder local”.

O deputado João Cotrim de Figueiredo defendeu que a Iniciativa Liberal é a favor da descentralização mas essa autonomia deve ser acompanhada de responsabilização financeira - e esse princípio deve também aplicar-se ao processo das freguesias. Mas é contra a discussão “à pressa, antes das autárquicas, que só daria jeito ao PS para crescer e ao PCP para sobreviver”. André Ventura, do Chega, recusou a urgência pelas mesmas razões e admitiu que a reforma proposta pelo Governo “tem algum potencial”, mas não em vésperas de eleições.

Isaura Morais, do PSD, admitiu que “a reforma não foi perfeita” e que o partido está “disponível para melhorar o mapa depois da monitorização e avaliação pelo menos em dois mandatos autárquicos”. Mas recusa a “demagogia, facilitismo e populismo” de uma “revolução apressada nas vésperas de eleições, o que pode ser visto como campanha eleitoral”.

Do PAN, que considera que a proposta do Governo mostra “equilíbrio e responsabilidade” por exigir viabilidade financeira às novas freguesias, impedir alterações por três mandatos e dar poder de iniciativa às autarquias,  veio já uma proposta de alteração: o partido quer que fique expresso no texto da lei que se mantém a limitação de três mandatos, mesmo que a freguesia mude de designação.

A centrista Cecília Meireles mostrou abertura do CDS para “mudanças pontais mais não para reversão em massa de legislação sobre autarquias” mas considera que este é “o pior momento para ter esta discussão”. E avisa ser preciso ter em conta que aumentar significativamente o número de freguesias implica desinvestir na qualidade dos serviços públicos porque se gasta mais nos eleitos do que nos serviços. Para além de se estar a fazer isto no meio de uma crise económica e sanitária, irá transformar-se as eleições autárquicas numa discussão sobre o mapa autárquico.

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