A magia do riso (e da amizade)

Rir é bom, fazer rir também. Filipe ria que se fartava, Luís não. Isso não os impediu de se tornarem bons amigos.

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Pierre Pratt
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Capa do livro “Síul, Epilif e o Grande Zigomático”, Bertrand Editora

O título do livro causa estranheza, atrapalha a dicção e provoca logo um sorriso: Síul, Epilif e o Grande Zigomático. Descodificando, Síul é “Luís” ao contrário, Epilif é “Filipe” de trás para diante, Zigomático é o músculo principal responsável pelo riso.

Os dois protagonistas descobriram-no num manual de Anatomia. O mesmo aconteceu ao autor, Nuno Artur Silva, que conta ao PÚBLICO como se lembrou de escrever esta história: “A ideia surgiu há vários anos, quando descobri que o músculo que é o principal responsável pelo riso se chama Zigomático, Zigomático Maior. Sempre me soou a nome de mágico. Como trabalhava em comédia e com comediantes, cheguei a pensar fazer uma série que cruzasse o humor e a magia (cheguei a falar nisso ao Luís de Matos), mas não chegámos a fazer.”

No entanto, algo ficou a germinar: “Fiquei sempre com a ideia na cabeça, como acontece muitas vezes, à espera de encontrar a forma certa para se concretizar”, recorda o actual secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media. E acrescenta: “Com o tempo, senti que poderia ser o ponto de partida para uma história para crianças, uma história sobre a magia do riso, a capacidade que o riso tem de nos transformar, nem que seja por um momento. O riso como o truque que a alegria faz quando se manifesta, até no meio da tristeza, nem que seja por um instante só.”

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Os dois rapazes que protagonizam a história, escrita no Verão de 2019, são uma brincadeira com os seus filhos, Luís e Filipe, a quem dedica o livro. “Queria muito escrever uma história que lhes pudesse ler enquanto ainda são crianças. Tinha de ser agora.”   

No livro, um dos rapazes é fascinado pelo universo e o espaço-tempo e tem muita dificuldade em rir; o outro quer ser mágico e ri com facilidade. Tudo muda quando Filipe consegue fazer sair da sua cartola, não um coelho, mas um cão. “O Luís esboçou um sorriso. Sim, um sorriso, a estreia absoluta de um sorriso.” A partir daí, “o Luís brincava com o cão e ria, ria como se tivesse aqueles risos guardados há muito, muito tempo”.

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Nuno Artur Silva falou na história a António Jorge Gonçalves, “grande amigo e parceiro de aventuras desenhadas”, que lhe mostrou os trabalhos de Pierre Pratt. “Disse-me que ele poderia ser o desenhador ideal para a história. E foi. Foi o parceiro perfeito, quer pela forma como desenhou quer pela maneira como fomos trabalhando em conjunto.”

Parar a narrativa com uma imagem sem texto

Pierre Pratt explica ao PÚBLICO que, quando lhe entregam um texto, passa inicialmente muito tempo naquilo a que chama “escolhas narrativas”, porque considera muito importante esse momento do processo: “É o primeiro desafio quando se começa a trabalhar num livro. Faz parte do meu trabalho decidir como dividir o texto e a acção e criar a direcção narrativa e o ritmo da história.”

No caso, o primeiro desafio era estar perante um texto longo, “isso quer dizer menos espaço para as imagens”, e o ilustrador quer “sempre que as imagens sejam importantes, não por terem mais importância de que o texto, como é óbvio, mas num primeiro tempo para atrair o jovem leitor (e os seus pais)”.

A meio do livro, quis parar a narrativa com uma imagem sem texto. “É uma forma de pontuação, rítmica, mas também fica assim uma porta aberta para a imaginação do leitor”, descreve. “O Nuno gostou da ideia. A nossa relação de trabalho foi muito fácil e fluida. Ele deixou-me muito espaço, o que agradeço. Ele sabe que um autor deve deixar o texto ir para outros lados, tanto como um músico deixa intérpretes seguir outro rumo.”

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Diz ainda o ilustrador: “Foi a nossa primeira experiência juntos, correu lindamente, temos uma sensibilidade muito próxima.” Deseja que ocorram novos projectos e aproveita para “agradecer ao grande António Jorge Gonçalves pela boleia, foi ele que [me] sugeriu”.

Sobre a técnica usada, esclarece: “Vou chamar-lhe ‘guache (sobre papel)’. Na verdade, usei guache sim, mas misturei com um produto português da Viarco que tenho usado muito nesses últimos tempos, uma espécie de pastilha de grafite ‘aguarelável’ de cores básicas, cuja textura e opacidade me agradam imenso.” Para concluir: “Esta técnica permite-me muita liberdade e improvisação e acho que assim o resultado contém mais emoção e calor.” Tudo verdade.

Pierre Pratt nasceu em Montreal, Canadá, onde se formou em Design Gráfico. Nos anos 1980 publicou algumas bandas desenhadas, mas a ilustração acabou por se impor como trabalho. Já publicou cerca de 50 livros para crianças. Vive em Portugal há mais de dez anos, tendo leccionado Ilustração e BD no ArCo (Centro de Arte e Comunicação Visual), em Lisboa. Recebeu vários prémios internacionais e foi finalista do Prémio Hans Christian Andersen em 2008.

Mais ideias para histórias para crianças

Nuno Artur Silva, inicialmente conhecido sobretudo pela fundação e direcção das Produções Fictícias, recorda-nos trabalhos dirigidos ao segmento infantil: “É a minha quarta incursão no mundo das crianças e dos muito jovens (ou a quinta, se contar com a peça infantil, Anoitecendo, que fiz num colectivo para a comunidade timorense do vale do Jamor, no Natal de 1984). A segunda foi a banda desenhada À Procura do F.I.M., com António Jorge Gonçalves, sobre Lisboa através dos tempos, para a Lisboa-94; a terceira foi o disco/livro/peça de teatro Bom Dia, Benjamim em 1995 e 1998, com Luís Miguel Viterbo [guionista], Rui Cardoso Martins (escritor), Cristina Sampaio [ilustradora] e um colectivo de excepcionais músicos, encabeçado por José Peixoto (músico) e dirigido por José Mário Branco; a quarta foi a peça de teatro desenhada O Rapaz de Papel, com João Fazenda, editada em 2000.”

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Pelo meio, desenvolveu ainda outros, “como produtor, director criativo ou editor (da série Inspector Max à revista Kulto [distribuída com o PÚBLICO]), mas, como escritor, é a quinta vez que ensaio o ‘era uma vez’”.

O também ex-administrador da RTP, responsável pelos Conteúdos (2015-2018), tem mais ideias para histórias para crianças, mas diz: “Não sei se as vou conseguir escrever nos intervalos das minhas funções actuais. (Vou tentar.).”

Sobre este livro, revela: “À medida que fui escrevendo esta história, percebi que estava a escrever sobre várias coisas, não só sobre o riso, a magia, a curiosidade ou o encantamento, mas, talvez mais do que tudo, sobre a amizade.” Acabou por chegar a uma outra conclusão: “Percebi também que das muitas coisas que fui fazendo na minha vida de escritor ou argumentista, esta foi, sem dúvida, das mais pessoais.”

(Nestes tempos difíceis que novamente nos aguardam e a que não podemos fugir, o truque… é ter amigos. E saber mantê-los, mesmo que já não sejamos crianças.)

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