Itália: Partido de Renzi abandona Governo e abre a crise anunciada

Com votos fundamentais prestes a ir ao Parlamento, Executivo não cai de imediato. Ex-ministro confirma que o Itália Viva vai aprovar medidas contra a covid-19, decreto do plano de recuperação e orçamento rectificativo ao lado da maioria.

Foto
Renzi confirmou a demissão dos membros do Governo que são do seu partido ETTORE FERRARI/EPA

Apelos de última hora, propostas de último minuto. Nada demoveu Matteo Renzi. A conferência de imprensa começou quase uma hora depois do previsto, mas Renzi usou-a para o que se esperava: anunciou a demissão das duas ministras e do secretário de Estado do seu partido, Itália Viva (IV), retirando ao Governo de Guiseppe Conte a maioria no Parlamento e abrindo em definitivo a crise que há muito se anunciava em Itália.

“A crise foi aberta há meses, não foi a IV que a abriu. Não brincamos com as instituições, a democracia não é um reality show”, afirmou o ex-primeiro-ministro.

Tentando explicar o que para alguns pode parecer inexplicável – a necessidade de fazer cair um Governo no meio de uma pandemia e de uma crise tão grave, depois de Conte ter incluído muitas das suas propostas no plano para usar o fundo de recuperação da União Europeia –, Renzi insistiu que a grande divergência que tem com o primeiro-ministro é de “método”, não de conteúdo.

“Ajudámos a formar este Governo contra Matteo Salvini [líder da Liga, ministro do primeiro Governo Conte] para evitar que ele tivesse demasiado poder”, lembrou. “Não permitiremos que ninguém tenha plenos poderes”, afirmou, numa referência a Conte, que o seu partido acusa de concentrar demasiado poder.

Entre as respostas às perguntas dos jornalistas foram surgindo pistas para o futuro. Depois de chegar a dizer que Conte não é político para os desafios que a Itália enfrenta, Renzi afirma agora que não “veta nomes”, apesar de considerar que “há outros para o cargo”. Outra pista, esta em jeito de confirmação: “Não a eleições antecipadas”. Isso é tudo o que todos os partidos que apoiam o Governo (Partido Democrático e Movimento 5 Estrelas, para além da IV) querem evitar, já que o conjunto da direita, com Matteo Salvini à cabeça, lidera todas as sondagens.

“Renunciar exige coragem e responsabilidade, é muito mais difícil deixar uma cadeira do que agarrara-se à defesa tenaz do statu quo”, insistiu Renzi, falando para os que o acusam de irresponsabilidade. “Os problemas devem ser enfrentados. Só a emergência não pode manter o Governo vivo”, disse, afirmando a “confiança inabalável no Presidente”, Sergio Mattarella, a quem cabe agora arbitrar a saída da crise.

Conhecido como “Conte 2”, o actual Governo foi formado há 17 meses, em negociações promovidas por Renzi depois do fim da aliança entre o M5E e a Liga (saída das eleições de 2018).

Ninguém excluiu que se siga um “Conte 3” – irritados com a postura de Renzi, M5E e PD já sugeriram que não voltariam a confiar nele para formar maioria, mas pode acontecer. Entre a direita mais próxima de Silvio Berlusconi também há movimentações e é possível que seja anunciado um novo partido que corresponda a um novo grupo parlamentar, como fez Renzi ao sair do PD e formar a Itália Viva já nesta legislatura.

No imediato, cabe a Conte reagir. Contactos das últimas semanas convenceram-no que se arriscar um voto de confiança no Senado (onde depende, à partida, dos membros da IV) pode ganhar. Um cenário que preocupa o PD, face à possibilidade de um fracasso que precipite uma ida às urnas. Em princípio, o Governo deve permanecer em funções até à próxima semana, quando estão marcados votos fundamentais no Parlamento. Renzi confirmou que a IV vai aprovar as medidas contra a covid, o decreto do plano de recuperação e orçamento rectificativo ao lado da maioria.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários