O impeachment de Trump é uma questão ética

Por muito que isso contribua para a polarização da sociedade norte-americana, o impeachment de Trump é uma questão ética que se sobrepõe a qualquer lógica ou estratégia partidária.

Os responsáveis pela invasão da sede do Congresso dos EUA estão a ser identificados, de modo a serem condenados pelo vandalismo inqualificável e vergonhoso para qualquer democracia — o processo está facilitado pelo narcisismo dos desordeiros nas redes sociais, orgulhosos de participarem e partilharem em directo esse momento tenebroso. Num distanciamento profiláctico e ético, muitas empresas estão a despedir alguns desses vândalos.

O comportamento do Presidente dos EUA, o seu claro e consecutivo incitamento à invasão do Capitólio, também terá de ter, forçosamente, as suas consequências. Invocar a 25.ª Emenda da Constituição ou o impeachment para encurtar a presidência de Donald Trump pode não ser exequível em tempo útil. A poucos dias da tomada de posse de Joe Biden, é pouco provável que o vice-presidente, Mike Pence, dê o seu aval à primeira daquelas medidas e que 18 senadores republicanos estejam dispostos a aliarem-se aos democratas para tornar possível a segunda.

Seja como for, qualquer uma delas seria sempre uma clara condenação política de um presidente em exercício, que tentou por todas as vias alterar o resultado eleitoral, uma prova, mesmo que simbólica, de que a democracia nunca pode tolerar o intolerável e, simultaneamente, uma forma de restaurar a dignidade do próprio sistema. Por muito que isso contribua para a polarização da sociedade norte-americana, o impeachment de Trump é uma questão ética que se sobrepõe a qualquer lógica ou estratégia partidária.

Foi necessária a invasão do coração da democracia em Washington, quando o Senado se preparava para concluir o processo eleitoral, certificando Biden como Presidente, para que surgisse alguma sensatez entre dirigentes republicanos, que fizeram o que Trump fez ao longo destes últimos quatros: privilegiar o ego, o racismo ou o nacionalismo mais bacoco em detrimento da democracia e do país.

Como aceitar que altos dirigentes do partido tenham alinhado e alimentado acefalamente as mentiras sobre a fraude eleitoral? Mesmo depois de se saber do telefonema a Brad Raffensperger, o republicano da Georgia que resistiu às mais insolentes pressões do Presidente para que lhe desse numa bandeja os 11 mil votos que não obteve naquele estado, a maioria dos republicanos manteve-se colada a Trump, na sua tentativa de ganhar na secretaria o que perdeu nas urnas. Seria trágico para a democracia dos EUA se, apesar de tudo isto, o Partido Republicano continuasse a ser o partido da sinistra família Trump.

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