“Portugal começa a Presidência europeia com dois ministros-chave muito fragilizados”

Paulo Rangel, vice-presidente do grupo do PPE do Parlamento Europeu, considera que a credibilidade da ministra da Justiça está em causa no caso do procurador europeu e que “deve retirar consequências políticas, demitindo-se”. O caso pode acabar no Tribunal de Justiça Europeu.

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A ministra da Justiça reconheceu dois "lapsos" na carta enviada a Bruxelas em Novembro do ano passado daniel rocha

O vice-presidente do grupo do PPE no Parlamento Europeu Paulo Rangel, o primeiro a insurgir-se contra a nomeação de José Guerra como procurador da União Europeia em detrimento da escolha feita por um painel independente para o Conselho da União Europeia, considera que os erros cometidos neste caso colocam em causa a credibilidade da ministra da Justiça e que Francisca Van Dunen “deve retirar consequências políticas, demitindo-se”.

Para o também chefe da delegação dos eurodeputados portugueses do PSD, o caso é “gravíssimo” e que, a juntar-se ao caso do ucraniano morto às mãos do SEF, fragiliza muito o arranque da Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia. “Portugal começa a Presidência europeia muito fragilizado”, afirma ao PÚBLICO, sublinhando que Van Dunen e Eduardo Cabrita vão ter de presidir ao Conselho de Justiça e dos Assuntos Internos “com esqueletos no armário”.

Paulo Rangel sublinha que é exactamente nesta área que estão dois dos dossiers mais sensíveis e importantes da Presidência portuguesa - o Pacto para as Migrações e a nova estratégia Schengen, que a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, afirmou querer apresentar em Maio.

Sobre o caso do procurador José Guerra, escolhido por Portugal para ocupar um dos 22 lugares da novíssima Procuradoria Europeia - criada em 2017 mas que só agora vai começar a funcionar e que tem como missão investigar crimes económicos e de corrupção, em especial nos fundos europeus  – Paulo Rangel considera que as explicações dadas pela ministra são “impensáveis”.

Na quinta-feira, confrontado com a notícia de que havia três argumentos falsos na carta enviada pelo Estado português ao Conselho da União Europeia para justificar a escolha do magistrado José Guerra, o Ministério da Justiça atribui responsabilidade pelos “lapsos” à Direcção-geral de Política da Justiça, dizendo que se trata do serviço interno responsável pelo documento. Argumento que Paulo Rangel rejeita.

“Não há hipótese de a ministra não saber”, afirma. “Ninguém, nenhum serviço, alterava uma decisão do Conselho sem conhecimento da ministra. Trata-se de um assunto ao mais alto nível da diplomacia, não há lapsos possíveis, a ministra tem de ter visto isto ao milímetro”, defende.

Além do mais, sublinha que Francisca Van Dunen “conhece muito bem o Ministério Público e os procuradores em causa”. Por isso, sabia da desconformidade entre o curriculum de José Guerra, procurador da República, e a carta onde é apresentado como procurador-geral-adjunto, qualificação que não tem. E sabe também que o maior órgão de investigação criminal português é o DCIAP e não o DIAP de Lisboa, outro dos erros transmitidos na carta, assim como a referência ao facto de José Guerra ter dirigido a investigação do caso UGT, quando foi apenas procurador de acusação no julgamento.

“Trata-se de uma questão política altamente sensível, não é uma questão burocrática”, afirma Rangel, para quem a demissão da ministra “é uma questão de salubridade do Estado”. “Há um erro objectivo, mas muito grave”, considera.

Queixa na Provedoria Europeia

O caso está longe de estar encerrado. Ao nível do Parlamento Europeu, já houve dois pedidos de esclarecimento ao Conselho Europeu sobre o processo de nomeação de José Guerra, um feito pelo PSD e outro por um grupo de eurodeputados de diferentes nacionalidades (nenhum português) liderado pela presidente da Comissão de Controlo Orçamental, Monica Hohlmeyer.

Em causa está o facto de o Conselho Europeu não ter seguido a escolha feita por um júri independente, que apontava para a nomeação da procuradora-geral-adjunta Ana Carla Almeida, com um vasto currículo em assuntos europeus. No processo de nomeação, cabe aos Estados-Membros indicarem três nomes para o cargo, sendo a escolha feita pelo referido painel independente. No caso de Portugal, da Bélgica e da Bulgária, o Conselho Europeu indicou procuradores diferentes dos indicados pelo júri, por indicação dos respectivos países, apesar de não terem essa prerrogativa legal.

“Se existe um parecer que não é seguido, tem de haver uma decisão do Conselho, bem fundamentada, para justificar por que não se seguiu o parecer”, sustenta Rangel. Foi isso que os eurodeputados quiseram saber, mas a resposta que receberam foi a mesma que o Ministério da Justiça começou por dar aos jornalistas: trata-se de “matéria reservada”, por dizer respeito a dados pessoais.

O assunto pode, no entanto, acabar por ser decidido no Tribunal de Justiça Europeu, uma vez que a candidata preterida apresentou queixa à Provedoria Europeia, que está a acompanhar a situação de perto. E nesse tribunal, diz Rangel, “há muita jurisprudência a obrigar o Conselho Europeu a revelar dados” que antes disse estarem indisponíveis.

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