“A ditadura silencia, a democracia integra”, diz Presidente

Nos cumprimentos de boas festas, Marcelo diz aos líderes parlamentares que eles são o “farol da esperança” e a “riqueza da democracia”.

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Marcelo recebeu as Boas festas dos líderes parlamentares LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS

A apresentação de cumprimentos de boas festas dos líderes parlamentares ao Presidente da República serviu a Marcelo Rebelo de Sousa para salientar a centralidade da Assembleia da República no sistema democrático, em jeito de aviso para o crescimento de movimentos e partidos anti-sistémicos que se opõem à própria democracia. “A ditadura silencia aqueles que se lhe opõem, a democracia integra mesmo aqueles que se lhe opõem”, afirmou o Chefe de Estado esta terça-feira, no antigo Museu dos Coches.

No final de um ano pandémico que coincide com o final do seu mandato, Marcelo Rebelo de Sousa escolheu três temas para a sua intervenção: preocupação com a situação provocada pela pandemia, a centralidade do Parlamento na vida política portuguesa mesmo em situação de excepção constitucional e a esperança no futuro.

A preocupação de que fala já não é só com a pandemia sanitária e a crise social e económica que trouxe consigo, mas também com a “pandemia do agravamento das desigualdades” agravadas pelas outras e “com o que virá a ser depois, não apenas a recuperação mas a reconstrução” do país, devido “aos efeitos estruturais do que estamos a viver”.

Marcelo não repetiu a preocupação com o “stress do sistema político” de que falara na véspera, em entrevista à TVI, mas o que disse sobre o Parlamento continha uma reflexão sobre essa tensão sistémica. Ao falar da centralidade da Assembleia da República, o Presidente fez sempre o contraponto entre democracia e ditadura.

Disse ele que o Parlamento é a “tradução de pluralidades de pontos de vista, reflecte a riqueza de opiniões e tem um papel integrador do sistema democrático”. “Integra mesmo os mais anti-sistémicos e os que contestam as regras básicas da democracia”. É a “diferença fundamental” face à ditadura que, sublinhou, “silencia os que se lhe opõem”.

“Mesmo nas piores circunstâncias, como as que vivemos, a Assembleia da República é portadora de esperança, como a democracia o é”, insistiu mais à frente. Ao contrário da ditadura que, disse, “é portadora de autoridade e de falsa esperança”.

Ao desejar a todos – parlamentares, as suas famílias e a todos os portugueses – as boas festas, Marcelo pesou as palavras: “Desejo-vos o melhor Natal possível e o melhor 2021 possível”, um ano que “não será mirífico, que transforma o padecimento actual num sonho que não é realizável a curto prazo”, mas terá de ser de esperança, com democracia. “Foi para isso que se fez o 25 de Abril, nós que votamos a Constituição da República Portuguesa [em 1976] fizemo-lo para que ela pudesse ajustar-se às circunstâncias e constituir um farol de esperança”.

“Estado de emergência não é anti-democrático”

Antes, o Presidente falou para aqueles que consideram que o estado de emergência relegou o Parlamento para segundo plano, como a deputada Isabel Moreira, muito crítica da forma como Presidente, Governo e principais partidos “banalizaram o estado de emergência” sem trabalhar numa lei de emergência sanitária que dispensasse a excepção constitucional.

Marcelo preferiu sublinhar a “centralidade acrescida” da Assembleia nos últimos anos, sobretudo em 2020: “Ali se estabeleceram pontes, ali se fizeram compromissos, ali se ensaiaram fórmulas de consenso, não só em orçamentos mas em diplomas legislativos de diversa importância”.

“Mas foi mais longe neste período de estado de emergência sucessivamente renovado”, acrescentou o Presidente, sublinhando que o parlamento “nunca deixou de intervir”, “nunca deixou de se preocupar com soluções – constitucionais, dizem uns; legais, dizem outros – para situações que não eram previsíveis quando nós, constituintes, aprovamos a Constituição”, como é o caso da emergência sanitária.

O estado de emergência, sublinhou, “não é anti-democrático”, antes “um estado comportado pela Constituição e que integra a resposta excepcional da democracia a situações e problemas excepcionais”.

Pandemias aumentam a necessidade de justiça

À tarde foi a vez dos presidentes dos tribunais superiores, procuradora-Geral da República e provedora de Justiça irem a Belém dar as boas festas e na resposta, o Presidente da República voltou a falar de democracia (mas já não de ditadura).

Depois de ouvir as intervenções dos representantes da Justiça, que em geral falaram, cada um, do que vai no seu “cabaz”, nas palavras do presidente do Tribunal Constitucional, Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que “não há estado de direito democrático sem uma justiça forte”. “A justiça é a pedra de toque da democracia”, disse, sublinhando que se trata de “uma luta inacabada”.

E ainda o é mais em tempo de “pandemias”, insistiu: “As pandemias criam mais necessidade de justiça”, criam “novas dificuldades e novos reptos à justiça”. Além disso, o “longo de estado de emergência exige uma atenção constante por parte da Justiça como um todo”, lembrou. “Ainda se sente mais a necessidade de afirmação e garantia dos valores fundamentais”, sublinhou, pegando na deixa da provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral.

Mas depois virou-se para todos os portugueses e disse: “De pouco serve uma justiça atenta e operacional se os cidadãos como um todo não praticarem também esses valores fundamentais”. 

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