EUA acusam novo suspeito no atentado de Lockerbie, ao fim de 32 anos

Procurador-geral dos EUA centra acusação numa confissão recolhida há oito anos numa prisão na Líbia. William Barr mostra-se confiante na extradição de Abu Masud, um antigo coronel no regime de Muammar Khadafi.

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A acusação foi anunciada por William Barr, três décadas depois de ter feito as primeiras acusações quando também era procurador-geral MICHAEL REYNOLDS/EPA

Três décadas depois do atentado à bomba num avião da companhia Pan Am que sobrevoava a localidade escocesa de Lockerbie, num dos ataques mais mortíferos de sempre contra cidadãos norte-americanos, o Departamento de Justiça dos EUA apresentou, na segunda-feira, uma acusação formal contra o homem que é suspeito de ter fabricado o engenho explosivo. Mas a oportunidade da acusação, anunciada no dia do 32.º aniversário do atentado, incomodou as famílias de algumas das 280 vítimas, que viram na conferência de imprensa do procurador-geral, William Barr, um momento “bizarro e insensível”.

O anúncio da acusação contra Abu Agila Mohammad Masud, um antigo coronel dos serviços secretos da Líbia e próximo do ex-ditador Muammar Khadafi, representa também o fim de um ciclo para o próprio procurador-geral dos EUA.

William Barr, que abandona o cargo esta quarta-feira, um mês antes da tomada de posse de Joe Biden e em choque com o Presidente Donald Trump por causa das suas queixas infundadas de fraude eleitoral, foi responsável pelas duas primeiras acusações formais relacionadas com o atentado de Lockerbie, em 1991, na sua primeira passagem pelo cargo de procurador-geral dos EUA.

“Que não restem dúvidas”, disse Barr na conferência de imprensa de segunda-feira. “Não é a passagem do tempo, nem a distância, que impedirá os Estados Unidos e os seus parceiros na Escócia de fazerem justiça neste caso.”

O atentado de Lockerbie, no dia 21 de Dezembro de 1988, fez 270 mortos – as 259 pessoas que seguiam a bordo do avião da Pan Am, incluindo 189 cidadãos norte-americanos, e 11 pessoas que foram atingidas pelos destroços e nos incêndios provocados pelo desastre.

O procurador-geral dos EUA disse que há “muito boas” hipóteses de Masud ser extraditado da Líbia, onde se encontra a cumprir uma pena de prisão pelo seu envolvimento na repressão da revolta que levaria à morte de Khadafi, em 2011. “Masud está sob custódia do actual Governo da Líbia, e nós não temos nenhuma razão para pensarmos que este Governo está interessado em ficar associado a um hediondo acto de terrorismo”, disse Barr.

Confissão decisiva

O envolvimento de Abu Agila Mohammad Masud começou a ganhar consistência em 2015, nas investigações do jornalista norte-americano Ken Dornstein, irmão de uma das vítimas do atentado de Lockerbie. Foi Dornstein quem conseguiu identificar Masud como um perito em bombas próximo de Muammar Khadafi, e que o ligou a viagens e estadias por ocasião de dois atentados – o de Lockerbie, em 1988, e o da discoteca La Belle, na Alemanha Ocidental, em 1986, em que morreram dois soldados norte-americanos.

Segundo o Departamento de Justiça dos EUA, o passo fundamental para a acusação formal contra Masud, na segunda-feira, aconteceu apenas em 2017, quando as autoridades norte-americanas receberam a informação de que o antigo agente líbio tinha confessado o seu envolvimento.

Masud, condenado a uma pena de dez anos de prisão na Líbia, terá feito a confissão pouco depois de ter sido detido, em Setembro de 2012, segundo o testemunho de um polícia líbio.

Mas se Masud vier a ser extraditado para os EUA, a acusação formal contra ele vai ser contestada pelos seus advogados, com base em relatórios das Nações Unidas sobre a forma como os antigos aliados de Khadafi foram tratados nas prisões líbias.

“Muitos dos suspeitos ficaram detidos por longos períodos e sem acesso às suas famílias e a advogados, muitas vezes em total isolamento em prisões secretas e sujeitos a actos de tortura”, lê-se num relatório da ONU publicado em 2017.

Numa reacção ao anúncio da acusação contra Masud, o jornalista Ken Dornstein pôs em causa a relevância do que foi dito por William Barr na sua conferência de imprensa.

“Dizem que as investigações prosseguiram nas últimas décadas, mas eu fiquei surpreendido com o facto de terem sido revelados tão poucos detalhes para além da suposta confissão”, disse Dornstein ao New York Times.

Antes da conferência de imprensa de Barr, o pai de uma das vítimas britânicas do atentado de Lockerbie disse à BBC que o Departamento de Justiça dos EUA está a usar o caso “para propaganda”.

“Usaram o aniversário da morte da nossa filha Helga, e de outras 269 pessoas, para exibirem, mais uma vez, uma acusação muito suspeita”, disse John Mosey. 

Desde 1988, só uma pessoa foi condenada pelo atentado de Lockerbie. Abdel al-Megrahi, um antigo chefe de segurança da companhia aérea estatal da Líbia, foi condenado a prisão perpétua, em 2001, por um tribunal especial escocês que funcionou nos Países Baixos. 

Viria a ser libertado em 2009 por razões humanitárias, depois de ter sido diagnosticado com cancro na próstata em estado avançado. Viajou para a Líbia num jacto pessoal de Khadafi e foi recebido como um herói, perante os fortes protestos dos EUA.

Um outro acusado nos primeiros anos após o atentado, Al Amin Fhimah, foi julgado pelo tribunal escocês ao mesmo tempo que Megrahi, mas não foi considerado culpado de envolvimento no atentado e viria a ser libertado.

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