“A senhora directora do SEF podia ter cessado funções na altura? Obviamente que podia”

Eduardo Cabrita admite que comete “erros, quer de tempo quer de avaliação”, mas lembra que Cristina Gatões não foi envolvida nem no processo-crime nem no processo disciplinar.

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Rui Gaudêncio
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Em entrevista ao programa Hora da Verdade, que esta quinta-feira pode ouvir na Renascença, Eduardo Cabrita sugere que a Ordem dos Médicos é que devia já ter pedido à IGAI os dados do médico que verificou o óbito do cidadão ucraniano que morreu em instalações do SEF no aeroporto de Lisboa.

Porque é que no caso da morte do cidadão ucraniano no aeroporto não reconheceu erros de avaliação ou tempos de reacção? Por exemplo: o tempo que a directora do SEF se manteve no cargo e o tempo que demorou a decidir uma indemnização ou mesmo um contacto directo com a família da vítima? Se o tempo voltasse para trás, o que é que faria de diferente?
O que me parece importante é o reconhecimento que foi feito num tempo muito especial, em pleno estado de emergência. Usei a expressão “murro no estômago” e tive uma reacção imediata. O que era uma declaração de morte natural, aliás, com base numa declaração médica, vem-se a verificar, através do relatório da autópsia, que só foi comunicada ao DIAP a 29 de Março, que não era assim. Isso determinou toda a diferença. Houve cinco detenções, que são competência da Polícia Judiciária. No que é competência do MAI, houve abertura do inquérito da IGAI e cinco processos disciplinares imediatos. O que foi dito à senhora embaixadora da Ucrânia foi claro: o Estado português assume a total responsabilidade pelo apuramento da verdade e faremos tudo o que for necessário.

Relativamente à questão da indemnização é necessário conjugar com aquilo que é o ritmo da evolução do processo criminal. Eu comparo com a morte ao serviço do Estado de militares dos Comandos. Foi há dois anos, a indemnização foi agora. A urgência é toda, mas é preciso clarificar aqui a posição do Ministério Público enquanto representante do Estado e a intervenção do Estado. Eu cometo erros, quer de tempo quer de avaliação – mas no contexto do que era possível fazer face à tragédia com que fomos confrontados, o essencial foi feito a dia 30. A senhora directora do SEF podia ter cessado funções na altura? Obviamente que podia. Mas nem o processo-crime nem o processo disciplinar a envolvem. O que eu disse também, e não tenho nenhuma dúvida quanto a isso, é que há aqui dois tempos. O local onde ocorreu a tragédia foi imediatamente fechado, foi imediatamente reestruturado, quer com a intervenção da Inspecção-Geral do ministério quer da Provedoria de Justiça. Depois, há o que está no programa do Governo sobre a reestruturação do SEF. Manifestamente a directora nacional não tinha o perfil para acompanhar o tempo da reestruturação.

Mas admitiu que a directora nacional podia ter saído mais cedo. Porque é que isso não aconteceu?
Não vale a pena estarmos…

Teria sido melhor que tivesse acontecido?
Não vale a pena estarmos... Eu nunca fiz isso relativamente à minha antecessora, nunca farei. As pessoas tomam as decisões que são aquelas…

Porque é que o senhor ministro não tomou a decisão de a afastar?
Chamo a atenção para o comunicado da Polícia Judiciária de dia 30. As detenções foram efectuadas com inteira colaboração do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. A direcção do SEF teve uma actuação activa na concretização das detenções.

Falou-se de um cargo internacional para a ex-directora do SEF [oficial de ligação em Londres]. O que vai acontecer à ex-directora do SEF?
Cabe à direcção do SEF [decidir], uma vez que é funcionária. Sobre a questão do cargo em Londres é rigorosamente uma não questão, nunca foi questão. Isso nunca esteve na mesa.

Quando anunciou a saída da directora nacional, disse também que iria avançar para a reestruturação do SEF prevista no programa do Governo. Tem dito que é o ministro que maior reforço humano conseguiu para o SEF. Só inspectores entraram 100 e outros 95 candidatos começam o curso em Janeiro. Para quem vai fazer uma reforma que tira as funções policiais ao SEF, porque é que reforça desta forma o quadro policial do SEF?
Ninguém falou em extinção do SEF, ninguém falou em fusões. Do que se fala claramente – e remeto para o programa do Governo que é um clarificador do que se disse antes de Novembro de 2019 e claramente antes de Março de 2020 – é da clara separação orgânica entre as funções policiais e administrativas. E relativamente às funções policiais implica uma redefinição do quadro do seu exercício  o controlo de fronteiras aérea, terrestre e marítima, investigação criminal como tráfico de seres humanos ou auxílio à imigração ilegal  entre os quatros órgãos de polícia criminal que actuam nesta área, SEF, PSP, GNR e PJ. Na área administrativa – a emissão de vistos, de autorizações de residência, renovações de autorizações de residência  o que temos é de reforçar a dimensão de intervenção humanista que esta separação de áreas favorecerá. Nós adoptámos uma política activa de considerar positiva a vinda de migrantes para Portugal.

Em 2019 tivemos, ao fim de dez anos, pela primeira vez, um crescimento populacional, e isso deveu-se à imigração. Em 2019 atingimos mais de 500 mil cidadãos estrangeiros a viver em Portugal e esse crescimento deu-se no quadro de uma política elogiada internacionalmente, de considerar positiva o acolhimento de estrangeiros. Acham que esta mudança epistemológica tão significativa tinha sentido fazer-se numa situação de pandemia? Por isso há aqui uma decisão a dois tempos. Voltamos ao início: relativamente à tragédia que levou às detenções a 30 de Março houve uma separação muito clara entre a resposta à emergência, que foi fechar o EECIT [Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária], e a preparação da reforma estrutural. Porque é que há aqui um momento que nos permite avançar para esta segunda fase? O final do apuramento pleno da responsabilidade pela IGAI, esclarecendo o que eu disse no Parlamento a 8 de Abril – é fundamental não ficar só pela autoria material, é necessário apurar todas as situações de encobrimento e omissão de auxílio. O relatório da IGAI de Outubro permite-nos separar águas e passar para a fase seguinte.

O SEF fica com a parte administrativa e a parte policial fica diluída por outras forças? O SEF continua a chamar-se SEF?
O SEF tem hoje 1790 trabalhadores. Quero manifestar o reconhecimento à esmagadora maioria dos trabalhadores e dizer que o quadro das suas carreiras será plenamente respeitado. Temos de gerir um fenómeno em dois tempos. Fazer uma reestruturação que seria sempre complexa – não fui eu que usei a palavra revolução, foi a expressão usada por quem nos representa a todos, o Presidente da República – mantendo o SEF a fazer aquilo que faz. Todos os dias existem trabalhadores que precisam de ter a sua situação regularizada. Concordo com o senhor Presidente quando fala de revolução. Esta é uma área que exige uma resiliência muito especial. Eu cheguei a este ministério num quadro absolutamente extraordinário que não me permitiu dizer outra coisa que não fosse: “Estou disponível.”

Depois da tragédia dos fogos.
Outubro de 2017. Mas tenho consciência de que é uma área que exige um tipo de foco e um tipo de resiliência muito especiais. Não é exclusivo de Portugal. Basta olhar para a difícil vida dos meus colegas espanhol e francês. O meu colega alemão, ao transmitir-me o mandato da presidência europeia nesta segunda-feira, disse: “Eduardo, força, és um dos mais experientes de nós.” E é verdade. Ao fim de três anos, sou o terceiro ministro da Administração Interna mais antigo da Europa.

Porque é que só ontem enviou para a Ordem dos Médicos o processo do médico que verificou o óbito do cidadão ucraniano?
Parece-me que a pergunta deve ser outra. É perguntar ao senhor bastonário, uma vez que toda a gente sabe tudo desde Abril. Desde o início de Abril que se sabia que tinha havido não interessa se verificação ou certidão, é irrelevante. O gravíssimo aqui é que a certidão de dia 12 diz uma coisa e o relatório da autópsia que foi enviado ao DIAP no dia 29 diz outra, infelizmente muito mais grave e totalmente diferente. A Ordem dos Médicos é uma entidade pública, com responsabilidades próprias. A IGAI não tem nenhuma competência disciplinar sobre médicos e enfermeiros. Neste momento que está a desenvolver processos disciplinares vai verificando coisas que não são da sua competência. Fazendo um paralelismo com o que se passa na área da Justiça, está a tirar certidões de um processo para que seja investigado à parte. A IGAI não pode fazer nada sobre médicos e enfermeiros. O que fez foi o mesmo relativamente às duas ordens, médicos e enfermeiros.

A revelação de que o EECIP ia ter botões de pânico parece ter sido decisiva…
A expressão é infeliz, mas admito que mediaticamente é impactante. Não estão ainda a funcionar. O melhor aqui é pedirem à provedora de Justiça para esclarecer o quadro em que essa figura é acompanhada.

A ideia foi da provedora?
A responsabilidade política é sempre do Governo. Foi considerado natural ter um quadro que permita um pedido de apoio de alguém que está num espaço confinado e que possa não falar uma das línguas que esteja disponível. Nunca será garantido que estão lá sempre pessoas que falem todas as línguas das pessoas que estão naquele centro. Não estão ainda a funcionar. A senhora provedora de Justiça enviou uma carta, três dias antes da reabertura do centro, em que diz basicamente o seguinte: visitamos há nove meses o EECIT, identificamos variadíssimos problemas e saudamos o que foi feito. Naturalmente há sempre matérias a melhorar.

Como o quarto de isolamento, segundo a provedora.
Só a senhora provedora poderá esclarecer. Esse local já foi visitado por todos os partidos no dia 16 de Junho. Desde Agosto, a única pessoa que esteve nessa área mais reservada foi uma pessoa que tinha covid. Pode ser um terrorista que seja expulso por decisão judicial. Há uma regra em que a colocação nesse espaço tem de ser comunicada externamente.

Como vai ser o futuro do SEF?
Tudo terá o seu tempo. Haverá uma primeira decisão em Janeiro. Haverá uma separação…

Isso terá implicações nos outros serviços que tutela?
Já disse que vai ter implicações na PSP, GNR e PJ. O programa do Governo estabelece duas coisas essenciais: por um lado, um caminho de serviços partilhados de forças de segurança. Isso não significa que vamos fundir a PSP com a GNR, mas vamos pôr em comum tudo o que são funções de suporte: a logística, as tecnologias, a área administrativa, libertando as forças de segurança para a sua dimensão operacional. E uma maior especialização. De uma forma fácil de entender: a PSP será cada vez mais uma polícia das cidades e a GNR será a força operacional da coesão territorial, da vigilância costeira; separação orgânica do SEF em duas áreas; partilha de áreas logísticas da PSP e GNR e clarificação da natureza das duas forças – uma polícia das cidades e uma polícia do território e do controlo costeiro.

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