Depois de Costa, Santos Silva segura Cabrita: “Nunca vi um ministro reagir com esta clareza”

O primeiro-ministro e o ministro dos Negócios Estrangeiros saíram em defesa de Eduardo Cabrita, defendendo a sua continuidade no Governo e elogiando a prestação do ministro da Administração Interna.

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Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros Nuno Ferreira Santos

Enquanto a oposição pede a demissão do ministro da Administração Interna, os membros do Governo fazem um escudo para proteger a manutenção de Eduardo Cabrita no executivo socialista. Esta sexta-feira de manhã, em entrevista ao programa Geometria Variável, da Antena 1, Augusto Santos Silva elogiou a “clareza” de Eduardo Cabrita. À mesma hora, em Bruxelas, o primeiro-ministro “fazia questão” de abrir “uma excepção para que não haja a menor das dúvidas” e falar de assuntos internos em solo internacional para reiterar “a confiança” no responsável pela Administração Interna e elogiar a sua “competência” perante um “acto bárbaro”. Em causa está o caso do ucraniano morto em Março no Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária do SEF (EECIT), que resultou na abertura de vários inquéritos e na demissão da directora do SEF, Cristina Gatões.

​As declarações de António Costa e de Augusto Santos Silva surgem depois de o ministro Eduardo Cabrita ter colocado a continuidade do seu cargo nas mãos do primeiro-ministro. “Tal como estou aqui porque o senhor primeiro-ministro entendeu― nessa altura tão difícil― pedir a minha contribuição nessas novas funções, também relativamente a esta matéria só o primeiro-ministro lhes poderá responder”, disse, no final da reunião do Conselho de Ministros, na quinta-feira. Horas depois, a declaração de Eduardo Cabrita seria secundada por uma observação do Presidente da República sobre o caso. Marcelo Rebelo de Sousa deixou um recado em relação aos “futuros protagonistas” e questionou a capacidade de “aqueles que deram vida ao sistema durante um determinado período” serem os protagonistas “do período seguinte”.

Apesar das críticas ao ministro da Administração Interna terem aumentado de tom nos últimos dias, os membros do Governo (incluindo o primeiro-ministro) mantêm-se firmes na defesa de Eduardo Cabrita, tal como tinham feito à data da discussão sobre a continuidade da antecessora de Eduardo Cabrita, a ex-ministra Constança Urbano de Sousa. Em Junho de 2017, Constança Urbano de Sousa chegou a pôr o lugar à disposição, mas António Costa recusou a sua demissão. O afastamento da ex-governante chegaria meses depois.

"Assim que houve notícia do caso, [Eduardo Cabrita] mandou abrir um inquérito que permitiu apurar a totalidade da verdade. Comunicou imediatamente às autoridades judiciárias para procederem criminalmente. E assegurou, com a Provedora de Justiça, um mecanismo ágil para poder ser feita a reparação devida à família por este acto bárbaro que ocorreu por parte de uma força de segurança”, declarou António Costa, a partir de Bruxelas, no final de um Conselho Europeu.

António Costa quis deixar claro que os protagonistas do futuro, como lhes chamou Marcelo Rebelo de Sousa, incluem Eduardo Cabrita, que está a tratar das reformas em curso: “O nosso sistema de polícia de fronteiras sofrerá uma reforma profunda, de forma a o ajustar não só a necessidade de haver um respeito escrupuloso da legalidade democrática e dos direitos humanos, mas também para dar cumprimento a uma medida já prevista no programa de Governo, muito anterior a este caso, que era haver uma separação total entre as funções policiais e as funções de gestão administrativa dos estrangeiros residentes em Portugal”, esclareceu o primeiro-ministro.

"Nunca vi um ministro reagir com esta clareza"

Em entrevista à Antena 1, o ministro dos Negócios Estrangeiros quis também esclarecer que, assim o Governo teve conhecimento do caso, contactou “imediatamente” a Embaixada da Ucrânia em Portugal para prestar condolências e garantir que as responsabilidades iriam ser apuradas: presencialmente, através de Eduardo Cabrita, e pelo telefone, através de um contacto de Augusto Santos Silva, explicou.

Ainda que admita que “é uma questão legítima” questionar se o Governo português deveria ter pedido directamente desculpa à família do cidadão ucraniano Ihor Homenyuk, Augusto Santos Silva ressalvou que o Governo optou por usar as “vias institucionais diplomáticas" para lidar com o caso, como é “prática habitual”.

“Nunca vi um ministro da Administração Interna reagir com esta clareza face a um crime cometido por forças e serviços de segurança sob sua tutela como o ministro Eduardo Cabrita. Portanto, acho que, se ele merece alguma coisa aqui, é cumprimentos por isso”, considerou Augusto Santos Silva.

Logo a seguir, sublinhou que "a responsabilidade principal é tomar as medidas que impeçam que isto ocorra novamente porque foi, como bem disse o ministro [da Administração Interna] um murro no estômago”.

Sobre as palavras da líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, que considerou que a demissão de Cristina Gatões “já veio tarde”, Santos Silva responde que “cada um fará a sua avaliação”, mas lembra que “para que seja justa é bom ter em conta todos os factos”. "Todos os responsáveis directos e indirectos pelo funcionamento do centro de detenção de Lisboa onde essa tortura e espancamento até à morte ocorreram foram demitidos e os procedimentos foram alterados.”

O responsável pela pasta dos Negócios Estrangeiros falou também dos planos para a presidência europeia portuguesa, que arrancará em Janeiro, e da relação transatlântica entre Portugal e os Estados Unidos. Apesar das palavras e chantagem do embaixador norte-americano em Portugal sobre a proximidade entre o Governo português e a empresa chinesa Huawei e das dificuldades de negociação durante a presidência de Donald Trump, Augusto Santos Silva assinala que houve “alguma evolução positiva” durante a Administração Trump.

Sobre o impasse em torno das negociações para a parceria económica e política entre Reino Unido e União Europeia a partir de 1 de Janeiro, o ministro dos Negócios Estrangeiros é cauteloso. “Há uma parte de mim que acredita que há uma encenação shakespeariana, mas sei o que as emoções e outro tipo de interesses que não os económicos, mas os que vêm ao de cima em climas pré-eleitorais”, completou. 

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