Progressos nas negociações são “insuficientes” para fechar acordo pós-”Brexit”

Presidente da Comissão Europeia e primeiro-ministro britânico vão encontrar-se em Bruxelas, “nos próximos dias”, para tentar colmatar as diferenças que ainda impedem acordo para a relação futura.

Foto
Telefonemas foram inconclusivos, por isso Von der Leyen e Johnson vão reunir pessoalmente em Bruxelas para tentar fechar acordo Reuters/HENRY NICHOLLS

Tudo empatado ao fim de 90 minutos, com direito a intervalo mas sem prolongamento. Como tinham combinado, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, voltaram a falar esta segunda-feira, para avaliar os últimos desenvolvimentos nas negociações com vista à assinatura de um novo e ambicioso acordo de parceria económica e política, que permita regular as transacções comerciais entre os dois blocos quando terminar o período de transição do “Brexit”, a 1 de Janeiro de 2021.

A conversa aconteceu exactamente 48 horas depois do último contacto, que serviu para instruir as equipas técnicas a retomar as conversações. “Esta segunda-feira fizemos um ponto da situação, e verificámos que ainda não estão reunidas as condições para a finalização de um acordo e que permanecem diferenças significativas em três assuntos críticos: concorrência, pescas e resolução de disputas”, informaram os dois líderes, numa declaração conjunta.

Desde que reentraram no chamado “túnel”, este domingo, os negociadores de Bruxelas e Londres reportaram “alguns progressos” nas conversas. Mas como logo vieram esclarecer os responsáveis políticos dos dois lados do Canal da Mancha, apesar dos desenvolvimentos, ainda há muito trabalho a fazer para concluir o acordo.

“Houve progressos [nas negociações] mas ainda muito insuficientes. Não podemos dizer que haja um entendimento, nem que chegámos a um resultado que seja satisfatório”, revelou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que esteve esta segunda-feira em Bruxelas para participar na reunião mensal do Conselho da União Europeia dedicada à política externa.

Em declarações aos jornalistas portugueses, Santos Silva referiu-se à “complexidade” das negociações a nível técnico, mas concedeu que nestes “últimos momentos” as divergências que ainda têm de ser ultrapassadas são eminentemente políticas — e dizem respeito às matérias que estão ligadas à ideia de soberania que o Reino Unido reclama estar na base do seu divórcio da União Europeia: a independência para fazer as suas leis e para gerir as suas fronteiras.

O Governo britânico quer ter total liberdade e autonomia para decidir os totais admissíveis de capturas de pesca nas suas águas, ou para fixar o seu próprio quadro regulatório (isto é, as condições fiscais, laborais ou ambientais) para a operação das suas empresas. Os parceiros continentais dizem que essa escolha, que é legítima, inviabiliza o acesso dos produtos britânicos ao mercado único europeu nas condições oferecidas: sem quotas e tarifas alfandegárias, uma vez que distorce as condições de concorrência em relação às empresas sediadas na UE.

Esta manhã, numa reunião com os 27 representantes permanentes dos Estados membros junto da UE, o negociador europeu, Michel Barnier, desmentiu informações que circularam na véspera sobre um eventual acordo parcial no dossier das pescas. Um porta-voz da Comissão Europeia também foi claro ao dizer que essas notícias não tinham fundamento e que as discussões continuam em torno das mesmas questões difíceis que se arrastam há meses. “Ninguém ignora que o prazo para um acordo é apertado, mas do nosso ponto de vista a substância é mais importante do que o calendário. Continuaremos a negociar e só fecharemos um acordo que defenda integralmente os interesses de todos os membros da União Europeia”, sublinhou.

Com o impasse instalado nos dossiers das pescas e no chamado “level playing field” (a igualdade de concorrência), há um terceiro capítulo que os negociadores também não conseguem fechar: a “governação” do acordo, ou seja, a legislação aplicável e as instâncias judiciais de supervisão e resolução de disputas que possam surgir na aplicação do acordo.

Esse é um ponto especialmente sensível para os europeus, que já se viram forçados a iniciar um procedimento contra o Reino Unido por infracção dos termos do acordo de saída da UE com a sua proposta de lei de mercado interno. O Governo de Boris Johnson reconheceu que essa legislação viola o Direito internacional e as disposições vertidas no protocolo para a Irlanda que integra o tratado de saída.

Num sinal de compromisso, Downing Street emitiu esta segunda-feira um comunicado a confirmar a sua disponibilidade para fazer cair os artigos controversos da sua proposta legislativa, que antes tinha defendido como “cláusulas essenciais” para o exercício da sua jurisdição sobre o território da Irlanda do Norte.

“As discussões estão em curso e decisões finais são esperadas nos próximos dias. E se as soluções actualmente em consideração foram adoptadas, o Governo do Reino Unido está preparado para remover a cláusula 44 da sua proposta de lei de mercado interno, relativa às declarações de exportação, e também para desactivar as cláusulas 45 e 47, relativas às ajudas de Estado, para que sejam consistentes com os direitos e obrigações do Reino Unido segundo a legislação internacional”, diz o comunicado.

Apesar de não constar na agenda oficial da reunião do próximo Conselho Europeu, marcada para a próxima quinta e sexta-feira em Bruxelas, é inevitável que a questão seja abordada pelos 27 chefes de Estado e de governo da UE. Nos últimos dias, vários governantes europeus têm-se multiplicado em declarações sobre o processo negocial, repetindo que o “desejável” acordo com o Reino Unido não pode ser fechado a qualquer preço, e prometendo usar o direito de veto no caso de discordarem do texto final.

Esta segunda-feira, Ursula von der Leyen e Boris Johnson pediram aos seus respectivos negociadores para “prepararem um resumo” das diferenças que persistem, para poderem discuti-las pessoalmente, “num encontro em Bruxelas nos próximos dias”. Nenhuma data foi ainda avançada para essa reunião bilateral, que se não acontecer nos próximos dois dias acabará por coincidir com a cimeira dos líderes europeus.

Segundo Augusto Santos Silva, era importante que no arranque do último Conselho Europeu de 2020, os 27 já tivessem uma “noção clara” de até onde chegaram os trabalhos técnicos e qual o possível desfecho das negociações com o Reino Unido. “Porque uma coisa é certa: embora a UE esteja a investir tudo num acordo, se tal não for possível será preciso pôr em prática algumas medidas de contingência para o novo facto de, a partir de 1 de Janeiro, o Reino Unido já não estar no regime de transição em que hoje se encontra”.

O ministro dos Negócios Estrangeiros garantiu que as autoridades nacionais têm pronto um plano de preparação para essa nova realidade, e estão actualmente a rever o seu plano de contingência para o caso de no-deal no fim do ano.

Sugerir correcção
Ler 15 comentários