Ministério da Educação, 55 – Colégios, 0. Eis o balanço da guerra nos tribunais

A última decisão judicial conhecida na guerra jurídica devido às restrições no financiamento do Estado data do princípio deste mês. Todos os processos concluídos foram decididos a favor do Ministério da Educação. Ensino particular dá o caso como encerrado: “O mal está feito e não é reversível.”

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Os cortes nos apoios do Estado levaram milhares de pais e alunos dos colégios às ruas em 2016 Daniel Rocha (arquivo)

Foi uma derrota em toda a linha a sofrida pelos colégios com contratos de associação na guerra jurídica que, em 2016, desencadearam contra o Ministério da Educação (ME): 55 processos judiciais concluídos, 55 decisões favoráveis às posições do ME que levaram a restrições no financiamento do Estado àqueles estabelecimentos de ensino particular.

O balanço foi comunicado pelo ministério de Tiago Brandão Rodrigues. Da consulta efectuada pelo PÚBLICO, constata-se que entre providências cautelares, visando a suspensão de actos administrativos, e acções principais para determinar em definitivo o rumo das coisas, pelo menos 20 dos 55 processos concluídos chegaram a tribunais superiores, tendo 14 deles resultado de recursos apresentados pelos colégios. Em vão.

Dois dos processos tiveram a sua conclusão no Supremo Tribunal Administrativo. A última decisão conhecida data do início deste mês, tem origem no Tribunal Central Administrativo do Norte e deitou por terra a única acção principal que fora decidida a favor dos colégios.

O Ministério da Educação afirma que não sabe se ainda existem ou não processos em curso. A Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (Aeep) dispensa falar de números porque dá este capítulo como estando encerrado em definitivo.

“O mal está feito e não é reversível. Com as suas posições, o Estado obrigou 30.000 alunos a abandonar os colégios para soluções educativas piores”, resume o director executivo da Aeep, Rodrigo Queirós e Melo. Por parte do ME, a leitura é outra: “Entre 2015 e 2019, o financiamento do Estado a entidades privadas em regime de contratos de associação decresceu cerca de 70%, originando poupanças na ordem dos cem milhões de euros”, lê-se no último estudo sobre a rede escolar, publicado em 2019.

Apoios caíram a pique

Os contratos de associação destinam-se a financiar colégios que garantam ensino gratuito aos seus alunos. Quando o primeiro Governo de António Costa tomou posse, em Novembro de 2015, existiam 1684 turmas em colégios que tinham financiamento, cada uma de 80,5 mil euros por ano, o valor fixado para os contratos de associação. No ano lectivo de 2019/2020, último com dados consolidados, o número de turmas financiadas tinha descido para 532.

Esta redução derivou de duas opções assumidas pelo ME: só financiar os colégios que estão em zonas onde a oferta pública escasseia, o que, entretanto, deixara de acontecer, e restringir o financiamento aos alunos que vivem na mesma área geográfica dos estabelecimentos com contratos de associação. Esta norma foi introduzida em 2016 num despacho assinado pela então secretária de Estado adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, que foi a cara do Governo nesta ofensiva.

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Muitos dos alunos que então eram abrangidos por contratos de associação não moravam na área do colégio que frequentavam. A norma que impõe uma restrição geográfica aos alunos financiados pelo Estado foi a que conduziu os colégios à justiça, com a expectativa de que esta viesse a ser declarada ilegal pelos tribunais.

Em síntese, para além de várias questões do âmbito dos procedimentos administrativos, os colégios alegaram nas suas acções judiciais que esta norma violava os princípios constitucionais da igualdade, da tutela da confiança e da boa-fé. Razão: o despacho das matrículas onde consta esta determinação, que entrou em vigor em Abril de 2016, não respeitava nem os termos nem a legislação que se encontrava em vigor aquando da assinatura dos últimos contratos de associação no Verão de 2015, celebrados com o ministério então tutelado por Nuno Crato. Tendo, por isso, produzido “uma frustração intolerável e arbitrária” das expectativas dos colégios.

A ajuda da PGR

Por parte dos tribunais, a resposta já estava no essencial transposta no parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de Maio de 2016, pedido pelo Governo para aclarar as dúvidas que então se iam amontoando, numa contestação que levou milhares de alunos e pais às ruas em defesa dos contratos de associação.

Este documento, também favorável ao ME, é citado em abundância nos acórdãos proferidos nesta disputa. “Se é certo que o referido parecer não vincula, naturalmente, o tribunal, não deixa de se reconhecer que o mesmo faz um adequado enquadramento da matéria legal aplicável”, justifica o Tribunal Central Administrativo do Norte.

Também em síntese, os tribunais entenderam que as violações da lei alegadas pelos colégios não se verificaram, já que os contratos de associação celebrados tinham apenas como âmbito os ciclos de ensino iniciados em 2015/2016 (três anos para o 3.º ciclo e outros tantos para o ensino secundário) e que o Governo se comprometera a financiar os alunos abrangidos até ao final de cada um destes ciclos, independentemente de viverem ou não nas áreas geográficas dos colégios.

Sendo assim, “não se entende a violação das alegadas ‘expectativas legais e contratuais’”, adianta o TCAN num dos seus acórdãos, em que se frisa também o seguinte:Os contratos de associação consistem em procedimentos de contratação pública para a concessão de financiamento com dinheiros públicos (…), para prossecução, única e exclusivamente, de finalidades públicas — assegurar a prestação do ensino público e gratuito e não os interesses privados das escolas particulares que o prestam.”

Como a procura do ensino particular está em alta, o director executivo da Aeep, Queirós e Melo, conclui que o que resultou de tudo isto “é que os pobres não podem frequentar as escolas que cada vez mais estão a ser escolhidas pelos ricos”.

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