Fábrica Confiança classificada como monumento de interesse público

Decisão publicada em Diário da República conclui processo de classificação iniciado no final de 2018, quando a Câmara Municipal de Braga ainda tencionava vender a privados o edifício do primeiro quartel do século XX, onde se produziram sabonetes e perfumes até ao início deste século.

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Nelson Garrido

A Fábrica Confiança, único imóvel sobrevivente do quarteirão industrial que a zona oriental da cidade de Braga teve no final do século XIX e durante o século XX, é monumento de interesse público. A classificação foi publicada, nesta segunda-feira, em Diário da República. “É classificada como monumento de interesse público a Saboaria e Perfumaria Confiança, ou Fábrica Confiança, na Rua Nova de Santa Cruz, 107 a 115, Braga”, lê-se na portaria datada de 08 de Outubro, assinada pela secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural, Ângela Carvalho Ferreira.

O documento salienta que o edifício, inaugurado em 1921, tem uma “impressiva frente urbana”, bem “representativa da arquitectura industrial oitocentista”, que em “muito contribuiu para a definição urbanística do eixo viário principal e de toda a envolvente, onde se concentravam outrora diversas unidades fabris” – um desses exemplos era a fábrica de chapéus Social Bracarense, cujo edifício já desapareceu.

A secretária de Estado responsável pelo património cultural lembra precisamente que o imóvel da Confiança foi “sendo progressivamente abandonado” durante o processo de “desaparecimento do tecido industrial tardo-oitocentista de Braga”. A portaria considera, portanto, que a Fábrica Confiança é o “último testemunho bracarense de um património do qual existem cada vez menos vestígios”.

A portaria salienta que a “dimensão histórica e social” daquela indústria fundada em 1894 e que laborou neste edifício após 1921, onde se chegou a produzir 150 diferentes marcas de sabonetes, “não se esgota na história da industrialização da cidade, nem sequer no período oitocentista”, mas “respeita a todo o Norte de Portugal” e “a uma cronologia que se alarga, provavelmente, a épocas bem mais remotas” – crê-se que o local alberga um troço da Via Romana XVII, que ligava Braga (Bracara Augusta) a Astorga, em Espanha (Asturica Augusta).

A distinção atribuída à Fábrica Confiança justifica-se assim pelo “interesse como testemunho notável de vivências ou factos históricos”, pelo “valor estético, técnico e material intrínseco”, pela “concepção arquitectónica e urbanística”, à importância na “memória colectiva” e na “investigação histórica ou científica”, bem como às “circunstâncias susceptíveis de acarretarem diminuição ou perda da sua perenidade ou integridade”.

A classificação como monumento de interesse público encerra um processo de classificação que arrancou em 30 de Novembro de 2018, por iniciativa do Conselho Nacional de Cultura, face às “características representativas da arquitectura industrial oitocentista” naquele imóvel. A abertura desse procedimento deu sequência ao pedido de classificação patrimonial que o movimento cívico Salvar a Fábrica Confiança enviou à Direcção-Geral do Património Cultural em 07 de Novembro.

Essa plataforma de cidadãos surgiu face à intenção da Câmara Municipal de Braga vender o edifício a privados por 3,9 milhões de euros, aprovada em reunião do executivo municipal, decorrida em Setembro de 2018. A autarquia pretendia inicialmente que os privados realizassem o seu projecto para o local, desde que cumprindo um caderno de encargos de salvaguarda de algumas das suas características. A providência cautelar interposta em Novembro de 2019 pela plataforma cívica levou a uma disputa jurídica que adiou a prometida hasta pública, até que a câmara presidida por Ricardo Rio elaborou um projecto de transformação do edifício numa residência universitária, com capacidade para 300 estudantes. Face à ausência de propostas de privados na hasta pública realizada em Março último, a Câmara decidiu manter o imóvel na sua posse.

Para um dos representantes do movimento cívico, Luís Tarroso Gomes, a classificação é “uma grande vitória dos cidadãos” que tiveram de “gastar recursos próprios” num diferendo jurídico contra uma Câmara que tem “inscrita na lei a missão de preservar o património”, mas que expôs a Fábrica Confiança à “especulação imobiliária” e ao risco de a “reduzir a três fachadas”.

O presidente da câmara, Ricardo Rio, frisou que é “sempre positivo Braga ver o seu património reconhecido e alargado” e lembrou que a classificação não coloca em causa o PIP. O autarca social-democrata notou que as promessas do Governo quanto a residências não têm avançado e admitiu que o projecto da Confiança “quase voltou à estaca zero”. “Gostaríamos que alguém que concretizasse o projecto, mas não lançaremos a hasta pública sem interessados”, disse.

Mais seis classificações a Norte e Convento de São Francisco em Coimbra

Além da Fábrica Confiança, há mais 18 imóveis, conjuntos ou sítios cuja distinção de interesse público foi anunciada esta segunda-feira em Diário da República, seis deles no Norte. No distrito de Viana do Castelo, há dois novos locais com a classificação de interesse público; um deles é o Castelo da Pena da Rainha, sítio arqueológico localizado em Monção, com vestígios de “estruturas rupestres habitacionais, de culto e sepulcrais, e trechos de uma antiga torre de menagem”, que, segundo a portaria, testemunham uma “ocupação até ao século XIII”. O outro é a igreja românica de São João da Ribeira, Ponte de Lima, cuja fundação “remonta, pelo menos, a finais do século X”.

Mais a sul, no distrito de Braga, também o conjunto formado pela Ponte de Rês e o Caminho de Ruivães, em Vieira do Minho, foi classificado por “conservar extensos trechos pavimentados com lajeado de tipologia romana”, que presumivelmente integrou a “via militar romana que ligava Braga a Astorga, por Chaves”, e pelo “notável enquadramento paisagístico”. Ainda nesse distrito, foram distinguidos o Paço de Ançariz, imóvel localizado na Veiga do Penso, zona rural do concelho de Braga, que serviu de casa de campo aos arcebispos D. Jorge da Costa e D. Diogo de Sousa, nos séculos XV e XVI, e a Quinta da Covilhã, propriedade seiscentista em Fermentões, concelho de Guimarães, reconhecida pela intervenção de que foi alvo na década de 70 do século XX por um dos membros da família proprietária, o arquitecto Fernando Távora, fundador da Escola do Porto. Em Penafiel, no distrito do Porto, o balneário romano de S. Vicente do Pinheiro, do final do século I ou do início do século II d.C., também já é monumento de interesse público.

As classificações estendem-se à Área Metropolitana de Lisboa – seis, entre as quais se destacam a Confeitaria Nacional, o Liceu Feminino Maria Amália Vaz de Carvalho e os imóveis da CUF -, ao Alto Alentejo – Paços do Concelho Medievais de Avis -, ao Ribatejo – igreja da Misericórdia de Abrantes -, à Beira Baixa – aldeia de Castelo Novo, no Fundão –, à Beira Alta – Casa de Santa Eulália, em Penalva do Castelo, e à cidade de Coimbra.

A igreja do Convento de São Francisco é um dos imóveis distinguidos. Construído a partir de 1602, com “traços evidentes das soluções maneiristas italianas bebidas directamente em modelos eruditos”, o edifício esteve afecto ao culto até 1875, foi “adaptado a unidade fabril”, tendo mantido a função até 1976, e integra hoje o Centro de Convenções e Espaço Cultural do Convento de São Francisco, após a requalificação promovida pela câmara municipal, refere a portaria disponível em Diário da República. Ainda no concelho, a Igreja de Santo António dos Olivais, imóvel de interesse público desde 1963, tem agora uma zona especial de protecção, que alberga o adro, o escadório e as capelas.

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