Dieta mediterrânica é seguida sobretudo pelas mulheres com mais estudos
Cerca de 50% dos portugueses conhece este padrão alimentar, mas ignora que a frugalidade é um dos seus princípios básicos.
Metade da população portuguesa já ouviu falar em dieta mediterrânica e conhece algumas das principais recomendações a ela ligadas. Apesar disso, só 26% manifesta uma “elevada adesão” a este estilo de alimentação, e este grupo é composto maioritariamente por mulheres, de uma faixa etária mais jovem, com maior nível de escolaridade e rendimentos mais elevados.
Estas são algumas das principais conclusões de um estudo encomendado pelo Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direcção-Geral da Saúde, e apresentado esta sexta-feira pela directora, Maria João Gregório, na Conferência Dieta Mediterrânica à Portuguesa, um evento promovido pelo Grupo Jerónimo Martins e que se realizou no Pátio da Galé, em Lisboa, com transmissão directa online, para assinalar o Dia Mundial da Alimentação.
Um dos propósitos, explicou Maria João Gregório ao PÚBLICO, era “avaliar se o investimento feito ao longo dos últimos anos na promoção da dieta mediterrânica tinha atingido os objectivos”. Para isso foram ouvidos 1000 indivíduos – 60% dos quais disseram já ter ouvido falar deste padrão alimentar.
Dentro deste grupo, 80% mostrou conhecimento (o cálculo dos 50% é feito com base nestas duas percentagens) e conseguiu identificar pontos importantes como o uso do azeite, o consumo elevado de hortofrutícolas, a preferência dada ao pescado em detrimento da carne ou o consumo de leguminosas. Curiosamente, nota Maria João Gregório, a frugalidade, que é uma das características fundamentais da dieta mediterrânica, não é referida pelos inquiridos.
O objectivo do programa era conseguir aumentar em 20% os níveis de adesão. Os cálculos baseados nos dados deste estudo permitem dizer, segundo Maria João Gregório, que “a adesão terá aumentado 15%” comparativamente a 2016.
Mas é importante um olhar mais fino sobre esses dados. E o que eles revelam é que quem segue este tipo de alimentação são sobretudo as mulheres (33%) e o grupo etário entre os 16 e os 34 anos (também 33%). À medida que aumenta a idade, a adesão à dieta mediterrânica diminui de maneira expressiva: são apenas 27% os que têm entre 35 e 64 anos, e a partir dos 65 anos a percentagem cai para 19%.
Também o nível de escolaridade tem relevância: no grupo dos que aderem a esta dieta, 35% tem mais de 12 anos de escolaridade e 30% tem um nível económico considerado “confortável ou muito confortável”. O estudo avalia ainda quais são os alimentos com os quais é mais difícil atingir as quantidades recomendadas: 48% têm dificuldade em consumir duas ou mais porções de hortícolas por dia, 39% não atinge as três ou mais porções de fruta por dia, exactamente a mesma percentagem que não consegue atingir as três ou mais porções de frutos secos diárias. Também as leguminosas enfrentam alguns obstáculos: 31% dos inquiridos não as consegue incluir na alimentação três ou mais vezes por semana, como recomendado.
E que razões levam a estas dificuldades? No caso das leguminosas, 6% diz que o problema está relacionado com o sabor, 5% receia que engordem, 4% confessa não saber como as cozinhar para ficarem saborosas, e 3% afirma que a família não gosta. Nas sopas são também 6% que se queixam do sabor, tal como acontece com os hortícolas em geral. Razões diferentes são referidas no que toca ao azeite e ao pescado – aí o preço, entendido como elevado, entra já como factor dissuasor. Maria João Gregório chama igualmente a atenção para alguns mitos que perduram e que prejudicam a imagem de certos alimentos, nomeadamente o pão e os frutos secos, que muitos receiam ainda que façam engordar.
Para se perceber porque é que certos grupos sócio-económicos mostram mais abertura à dieta mediterrânica do que outros (sendo que seria de esperar que a população mais velha e mais rural seguisse, tradicionalmente, este tipo de alimentação, o que não acontece), é interessante juntar ao estudo citado por Maria João Gregório um outro apresentado na mesma conferência pela investigadora do Instituto de Ciências Sociais (ICS) de Lisboa Mónica Truninger.
Houve nas últimas décadas uma série de mudanças que ajudam a explicar alterações na forma como comemos, afirmou Truninger, que acaba de lançar o livro Hábitos Alimentares dos Portugueses na colecção de ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Há um “crescente apelo à responsabilidade individual”, uma gestão difícil da casa e do trabalho (74,5% das mulheres continua a dedicar uma hora ou mais por dia à preparação das refeições), ao mesmo tempo que surgiu uma “oferta mais fragmentada”, com muita comida rápida e processada, a que se soma um “relaxamento em relação às regras” da hora da refeição.
Mas há também “contra-tendências” que passam pela valorização da produção nacional, dos produtos de proximidade, feitos com menor impacto sobre o ambiente, e ainda de algumas tradições alimentares. De destacar igualmente a questão do consumo de carne, cuja redução é recomendada pela dieta mediterrânica (e não só).
Quarenta e nove por cento das pessoas ouvidas no II Grande Inquérito à Sustentabilidade, do ICS, dizem-se dispostas a reduzir o consumo de carne, e 26,5% a deixar de comer carne. E também aqui há um dado curioso: os mais dispostos a fazer esta alteração são as mulheres das áreas metropolitanas e com maior nível de escolaridade; os menos disponíveis para o fazer são os homens com mais de 65 anos, dos meios rurais e com menor nível de escolaridade.