Dia 110: A mãe que conseguimos ser

Não sei se a mãe foi a mãe que imaginou ser. Mas se não, óptimo! Ainda bem que foi capaz de mudar e de se transformar connosco, porque acredito que saber que temos de aprender uns com os outros, é o verdadeiro superpoder que queremos passar aos nossos filhos.

Foto
"Tenho aprendido tanto convosco, e agora com os netos — e é por isso que aos 60 anos ainda não perdi a esperança de me tornar melhor mãe!" @DESIGNER.SANDRAF

Querida Mãe,

A mãe foi a mãe que imaginou que ia ser?

Eu tinha estudado educação de infância e babysitado o suficiente para ter uma ideia bastante clara sobre como queria ser. Não só na minha relação com eles, mas no tipo de pedagogia que gostava que tivessem na escola. E, depois, como quase tudo na parentalidade, não correu bem como imaginara e tive de me tornar não a mãe que eu queria ser, mas a mãe que os meus filhos precisavam que eu fosse. E isso custou-me, muito! Mas, aos poucos, transformou-me. E acho (espero) que numa pessoa melhor.

De vez em quando, é verdade, há filhos que saem mesmo parecidos connosco, com o filho idealizado. Mas, na maioria dos casos, chocamos com eles: como é possível que um filho de pais tão ligados à natureza só queira ficar em casa? Como é que se explica que um filho de pais tão comunicativos fique mudo e esconda a cara? Ou que odeie água, quando os pais a adoram? E de onde é que lhe veio a paixão por livros de fichas, quando a mãe andou seis anos a postar no Facebook que era uma tortura ficar na sala a fazer fichas quando podiam estar a brincar na rua?

Pessoalizando — que a sua querida filhinha tenha procurado incansavelmente uma escola que não tivesse TPC's e agora as suas netas venham todas contentes por terem trabalhos para fazer?

Claro que sei a resposta que a mãe tem já na ponta da língua: porque eles são eles, e nós somos nós. Mas, mãe, jogar com as cartas que se têm na mão e não com aquelas que imaginávamos que nos iam sair é muito difícil, até termos a capacidade de aceitar os nossos filhos como são. É uma aprendizagem que tem vantagens para tudo, porque nos permite também largar as expectativas dos outros para nós, das que criamos para nós próprios e viver cada dia desta espectacular aventura.

Pois é, não sei se a mãe foi a mãe que imaginou ser. Mas se não, óptimo! Ainda bem que foi capaz de mudar e de se transformar connosco, porque acredito que saber que temos de aprender uns com os outros, é o verdadeiro superpoder que queremos passar aos nossos filhos.


Querida Ana,

Quando fui mãe achava mesmo que sabia tudo o que havia a saber sobre o assunto, porque era tia de uma dúzia de sobrinhos, e bastava-me por os olhos nas minhas irmãs para ter a certeza de que era aquele o modelo a seguir. Com a segurança secreta de que iria conseguir evitar alguns erros da minha querida mãe, que estavam bem presentes na memória de quem só tinha 23 anos — idade que, na altura, me parecia o pico da maturidade. Além disso sentia-me iluminada pelas descobertas do Dr. Brazelton, e de todos aqueles que tinham deixado de olhar para os bebés como tábuas rasas, em que inscrevíamos o que nos dava na cabeça.

Mas, apesar de estar perfeitamente consciente de que os meus filhos me moldariam, tanto como eu os moldaria a eles, não deixou de haver esse choque com os limites da omnipotência materna, de que me falas. Como tu, por exemplo, reagi com total incompreensão à vossa timidez perante estranhos, eu que era aquela criança que saltava para o colo de um desconhecido e fazia todos os recados fora de portas, só pelo prazer de conversar com quem me cruzava. E reagia mal, ainda reajo, a manifestações de agitação constante, obsessão pelo perfeccionismo ou à desorganização criativa, que de uma forma ou de outra vos vai tocando.

O pior, o mais difícil, é aceitar não que os filhos sejam diferentes de nós, mas que por azar tenham alguns dos “defeitos” que tão abominamos. É claro que podemos assacar responsabilidades aos genes do pai, mas continua a ferir-nos a nossa incapacidade de vos “corrigir”. E vamos continuar a tentar, mesmo quando vocês já estão, objectivamente, mais velhos do que nós!

Mas há surpresas espantosas, e estou pronta a dar o braço a torcer, que me levam a reconhecer que aquilo que rotulei de defeito pode afinal ser uma qualidade. E, nesse sentido, tenho aprendido tanto convosco, e agora com os netos — e é por isso que aos 60 anos ainda não perdi a esperança de me tornar melhor mãe!

Love you

Sugerir correcção