Elogio aos trabalhadores da construção

Não é caso para celebrar, mas chegarmos à recta final do ano e constatarmos que as previsões económicas melhoraram um nadinha não deixa de ser reconfortante para um país cansado de más notícias.

Os meses duros da pandemia têm dado origem a diversas e devidas homenagens a grupos profissionais que estiveram na linha da frente do risco para manter os hospitais a servir os cidadãos ou as escolas abertas aos alunos. Os dados mais recentes do Banco de Portugal devem-nos levar a repetir esse gesto para com os trabalhadores e empresários da construção civil. Homens e mulheres que nunca pararam de trabalhar, pessoas de rendimentos baixos ou médios, que tantas vezes vivem em bairros periféricos a dezenas de quilómetros das obras, que enfrentaram os riscos dos transportes públicos ou os perigos dos surtos nos estaleiros. Pessoas que poucas vezes aparecem nas agendas dos jornais ou nos discursos dos políticos. Gente que a sobranceria urbana despreza pelas manchas de tinta nas calças ou pelo pó de cimento nas mangas. Cidadãos que, afinal, não têm outra alternativa para sobreviver senão acumular a dureza do trabalho com as ameaças da pandemia.

Pois se houve alguém com um contributo positivo nas contas nacionais coligidas pelo Banco de Portugal, foram esses trabalhadores e empresários. Foram eles que acabaram por dar expressão à surpreendente confiança dos portugueses que, apesar da crise, continuaram a investir na recuperação das suas casas ou na construção de casas novas. Sem o seu trabalho e risco, a construção não teria registado um crescimento de 0,3% no semestre – um dado notável que contrasta com os registos da União Europeia e com a terrível queda nos anos da troika; sem esse crescimento, a queda do investimento global poderia chegar a 11,1%, em vez dos actuais 4,7% projectados pelo BdP; e sem esse efeito, conjugado com uma quebra menor do que o esperado nas exportações e no consumo interno, o desastre da economia portuguesa poderia chegar a 9,5%, em vez dos actuais 8,1% esperados pelo BdP.

Não é caso para celebrar, mas chegarmos à recta final do ano e constatarmos que as previsões económicas melhoraram um nadinha não deixa de ser reconfortante para um país cansado de más notícias. E é nesse momento em que devemos recuar ao passado recente da crise da dívida e perceber que alguns dos episódios que então vivemos podem estar em vias de ser repetidos. Nessa altura, como agora, o país precisou de gente que investe, que arrisca, que não pára ou de empresas que tentam a todo o custo exportar. Precisa de economia privada. Essas necessidades devem-nos fazer notar também que o país que as satisfaz é uma pequena parte da preocupação do discurso político sempre enfeudado pelo Estado. Alvo de uma injustiça colectiva, por isso.

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