Fenprof acusa Governo de “inépcia” na preparação do regresso às aulas

Não estão criadas as condições para que as escolas possam voltar ao ensino presencial em segurança, segundo Mário Nogueira, que aponta a ausência de um rastreio nacional à comunidade educativa como exemplo de “facilitismo”. As máscaras, sugere ainda o líder da Fenprof, deviam ser obrigatórias a partir dos seis anos de idade.

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PAULO PIMENTA

No dia em que mais de 100 mil professores regressam aos estabelecimentos de ensino, para começarem a preparar o arranque do novo ano lectivo, agendando para entre 14 e 17 de Setembro, o líder da Federação Nacional de Professores (Fenprof), Mário Nogueira, declarou peremptoriamente que as escolas não têm reunidas as condições para poderem retomar o ensino presencial em segurança.

Numa conferência de imprensa nesta terça-feira de manhã em que se dedicou a enumerar diversas “falhas”, que vão da falta de auxiliares em número suficiente para assegurar a higienização dos espaços à recusa de desdobramento das turmas, aquele dirigente sindical lá acabou por deixar cair o desafio: ou o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, consegue fazer nos próximos 14 dias aquilo que não fez nos últimos dois meses, ou não lhe resta senão “assumir que não tem condições para continuar à frente da educação em Portugal”.

Alegando quer o Ministério da Educação (ME) quer a Direcção-Geral da Saúde (DGS) se têm recusado a ouvir as propostas da Fenprof para garantir um regresso às escolas em segurança, Mário Nogueira começou por apontar as divergências nas orientações emitidas por aquelas duas entidades para os 811 estabelecimentos de ensino do país, do pré-escolar ao secundário. “A DGS recomenda a divisão das turmas em pequenos grupos e fala de um distanciamento de dois metros entre alunos, podendo chegar a um metro e meio, nos casos em que isso não for possível, e o ministério diz que a distância deve ser de um metro quando for possível, mas, como o desdobramento das turmas não foi feito, os alunos vão estar a dez centímetros uns dos outros”, exemplificou, para considerar “inadmissível que um ministério assuma uma posição contrária à da autoridade nacional de saúde pública”.

Tendo o cuidado de esclarecer que a Fenprof mantém que o regresso ao ensino presencial é “fundamental”, Nogueira sustentou que este só perdurará no tempo “se houver exigência e rigor” nas medidas destinadas a prevenir e conter os contágios. Não é que o que está a acontecer, segundo o sindicato, cujos representantes apontaram mesmo o que qualificaram como “inoperância” e “inépcia” do actual detentor da pasta da Educação e do Governo. “Este facilitismo é absolutamente inaceitável”, criticou Mário Nogueira, lembrando as repercussões que um eventual fecho de escolas terá nas famílias, nas empresas e na sociedade.

Cerca de 12 mil professores no “grupo de risco"

Entre os exemplos que atestam o referido “facilitismo”, a Fenprof inclui ainda a ausência de “um rastreio nacional à covid-19 junto da comunidade educativa”, dizendo não compreender como é que, se os testes continuam a ser “recomendadíssimos”, se arrisca que professores e alunos assintomáticos regressem às escolas podendo originar novos e eventuais surtos dentro dos estabelecimentos de ensino. “As universidades estão a fazer. Mas, nos outros níveis de educação, só foram feitos testes antes de as creches abrirem e foram detectados 59 casos de contágio. Agora imagine-se como teria sido se estas 59 pessoas tivessem ido trabalhar”, lembrou.

Por outro lado, e lembrando que com a aproximação do Inverno, as janelas das salas de aula terão de estar fechadas, Mário Nogueira sugeriu que a máscara passe a ser obrigatória a partir dos seis anos de idade, à semelhança do que se passa em Espanha. “A DGS devia repensar isso”, reforçou, referindo-se à norma que estipula a obrigatoriedade da máscara apenas a partir dos 10 anos de idade. Do mesmo modo, a Fenprof entende que o ideal será que os alunos dispusessem de máscaras descartáveis em vez das ditas “máscaras sociais”, dada a ausência de garantias de que as mesmas serão devidamente lavadas e manuseadas.

A falta de pessoal auxiliar para garantir a higienização de salas de aula, ginásios, refeitórios e corredores é outro dos problemas apontados pela Fenprof, que declina a possibilidade, aventada por alguns directores, de serem os próprios alunos a garantirem a desinfecção dos espaços. Tão grave quanto isso é a escassez de professores, sobretudo considerando, como a Fenprof sustentou, que 10% dos actuais docentes integram o “grupo de risco” para a covid-19. “Entre doenças oncológicas, diabetes, hipertensão e insuficiências renais, estima-se que sejam cerca de 12 mil os professores com doença de risco e não está nada previsto a não ser o que diz a lei geral, que prevê que estes professores possam ficar em casa por 30 dias e que, a partir do 31.º, possam continuar em casa mas sem remuneração”, lembrou, admitindo que, à semelhança do que se passou com o regresso às aulas dos alunos do secundário, estes docentes possam ficar em teletrabalho, havendo outro docente na sala de aula a coadjuvá-lo na tarefa leccionar as matérias da disciplina.

Se não for encontrada nenhuma solução que “proteja estes profissionais”, ou se o Governo, ao abrigo do estado de contingência incluir a educação nos serviços essenciais, obrigando os professores a irem trabalhar “tenham ou não doença de risco”, a Fenprof predispõe-se desde já a representar os professores nas instâncias judiciais. “Se houver situações que ponham em risco a vida dos professores, avançaremos para a Justiça, porque isso é absolutamente inaceitável.”

Exposição à OMS e à Unesco

Ainda sobre a escassez de professores, Mário Nogueira aproveitou para lembrar que, dos 2500 novos contratados, mais de metade limitar-se-ão a substituir os 1511 professores que se aposentaram no ano passado. Acresce que há mais docentes em situação de doença e de mobilidade e “outros que, por terem atingido a idade para isso, tiveram reduções da componente lectiva”. Logo, “os 2500 professores a mais na contratação são absorvidos pelo funcionamento normal das escolas”, não chegando para responder às novas necessidades ditadas pela pandemia, nomeadamente “o reforço das tutorias, das coadjuvações e das equipas multidisciplinares, além do apoio reforçado que é preciso dar aos alunos com necessidades educativas especiais”.

Segundo a Fenprof, algumas autarquias estão a dificultar os pedidos de algumas escolas para concentrar o período de aulas durante as manhãs, nuns casos, e durante as tardes, noutros, reduzindo assim a presença simultânea nos estabelecimentos. Porquê? “Porque, havendo turnos de manhã e turnos de tarde, os transportes também têm de ser desdobrados”, explicou Nogueira.

Por considerar que, se nada for feito, o risco de muitas escolas voltarem a fechar é muito elevado, a Fenprof decidiu dar eco das suas preocupações a entidades internacionais como a Organização Mundial de Saúde, Unesco e Unicef, além de ao Conselho de Nacional de Educação, entre outras entidades, “para que pressionem o Governo a criar as condições necessárias para um regresso à escola em segurança”.

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