Deco avisa que testes serológicos à covid-19 ainda não estão validados

Associação diz que apesar de nos últimos meses terem surgido inúmeros testes de pesquisa de anticorpos ao SARS-CoV-2 o seu desempenho “ainda não está bem determinado”, pelo que “será difícil retirar conclusões fiáveis”. Sobre os “passaportes de imunidade” a Deco deixa um aviso: “não têm razão de ser”.

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Testes serológicos ou de anticorpos indicam se a pessoa já esteve em contacto com o vírus Rui Gaudencio

A Deco Proteste lançou esta terça-feira um alerta sobre a fiabilidade dos testes serológicos à covid-19 que estão actualmente disponíveis no mercado português. Em comunicado, a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor diz que nos últimos meses surgiram inúmeros testes de pesquisa de anticorpos ao SARS-CoV-2 — segundo a última actualização do Infarmed são já mais de cinquenta —, mas que o seu desempenho “ainda não está bem determinado”, pelo que “será difícil retirar conclusões fiáveis”.

Ao contrário dos testes moleculares de diagnóstico, feitos com as zaragatoas e que procuram a presença de material genético do SARS-CoV-2, ou seja, se este está ou não presente no organismo naquele momento, os testes serológicos ou de anticorpos indicam não só se a pessoa já esteve em contacto com o vírus, mas também qual a resposta do organismo ao novo coronavírus. Estes testes não são comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), ao contrário dos moleculares e os preços variam entre 25 e os 50 euros.

A Deco, que cita o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC, na sigla inglesa), recomenda que os resultados destes testes sejam comparados com “um método de referência num número suficientemente grande de indivíduos”, antes de os introduzir “na rotina clínica”.

Também o Infarmed, entidade que supervisiona a comercialização de medicamentos e de produtos de saúde em Portugal, alertou, no fim de Maio, que os testes serológicos de detecção de anticorpos “não estão recomendados para o diagnóstico de novos casos de covid-19” e que os resultados, quando interpretados de forma isolada, “não excluem a possibilidade de a pessoa estar infectada”.

“Apesar da limitada utilidade clínica, estes testes podem ser utilizados em estudos epidemiológicos populacionais (de seroprevalência) e de investigação, como o caso do Inquérito Serológico Nacional covid-19, utilizando testes de detecção de anticorpos específicos (...) para monitorizar a imunidade contra o SARS-CoV-2 na população portuguesa”, lê-se num documento da autoridade do medicamento.

Ter anticorpos não significa estar protegido, diz a Deco

Ainda de acordo com a Deco, não há ainda evidência científica robusta a indicar que presença de anticorpos possa conferir imunidade em caso de reinfecção pelo SARS-Cov-2. E avisa: para avaliar esta relação é necessário acompanhar os pacientes ao longo do tempo porque ainda há pouca evidência sobre o comportamento do vírus e a forma como o organismo humano responde na sua presença.

A entidade responsável pela defesa do consumidor explica ainda que, em geral, após o ataque de um vírus ou uma bactéria, o organismo pode demorar entre três e dez dias a “criar defesas específicas contra o invasor”. “De forma muito simplificada, tal consiste na produção de anticorpos para combatê-lo e de células capazes de o identificar em futuros ataques. O trabalho conjunto destas estruturas pode eliminar o potencial causador de doença ou limitar a sua acção, travando a doença e/ou impedindo novas infecções. Por regra, a existência deste sistema de defesa específico é aferido através de testes serológicos, que detectam a presença de anticorpos no sangue e os quantificam”, lê-se no documento emitido pela Deco esta terça-feira, que sublinha que, no caso do SARS-CoV-2, a reacção do sistema imunitário ainda não é bem conhecida.

“A maioria dos estudos mostra que os recuperados de covid-19 desenvolveram anticorpos, mas, dado que os métodos de determinação não estão validados, não se sabe se os resultados são fidedignos, tanto no caso dos que deram positivo, como no dos que deram negativo. De qualquer forma, também não é certo que a presença de anticorpos, em maior ou menor quantidade, confira protecção, nem se sabe quanto tempo estes permanecem no organismo. Assim, não se pode afirmar que quem teve covid-19 está livre de voltar a ter, a curto, médio ou longo prazo”, refere ainda a entidade.

Tendo em conta estas informações, a Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor diz que a utilidade prática destes testes é “nula”, a nível individual, e que um teste positivo não justifica que se possam descurar as medidas de protecção definidas pelas autoridades de saúde.

A Deco diz ainda que que os “passaportes de imunidade” propostos por alguns países e que têm por base os resultados dos testes serológicos, não têm “razão de ser”. “A Organização Mundial da Saúde (OMS) apressou-se a rejeitar a proposta, pelas dúvidas técnicas que os ditos resultados levantam: a utilização de um instrumento deste género com esta base poderia aumentar o risco de propagação do vírus. Além disso, alguns autores chamam a atenção para as questões éticas associadas à definição artificial de quem pode ou não participar em actividades sociais e económicas”, alerta a entidade portuguesa.

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