Dia 47: Que memórias tens dos teus pais a descansar?

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, separadas pela quarentena, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Mãe,

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Hoje vi no Instagram de uma grande amiga minha a seguinte frase: “Que memórias tens dos teus pais a descansar?”, seguida da pergunta: será que esta pandemia foi uma oportunidade dos nossos filhos nos verem a descansar mais?

Tocou-me profundamente. Tenho uma dificuldade gigante em descansar (principalmente se alguém está a ver!). E, de facto, acho que nunca na minha vida vi a mãe a descansar (nem o pai!). Embora, percebo agora que o seu trabalho é uma espécie de descanso activo. Mas será suficiente descanso? Porque não conseguimos descansar mesmo? Ler um livro será talvez o máximo que nos é permitido. Está-se quieto, mas ainda assim com esse pretexto na mão.

Suspeito que esses “descansos activos” nos descansam alguma coisa porque apaziguam a culpa. Mas, se assim for, não está na altura de aprendermos a descansar mesmo?

Eu sei descansar pelo desporto. Simplesmente, muitas vezes, ando demasiado cansada, para ter energia que chegue para descansar dessa maneira (!), o que me prova que há um descanso primordial que não está feito, talvez porque seja infinitamente mais difícil de conseguir.

Organize-me as ideias, please! Estou cheia de perguntas, mas quero respostas!

Beijinhos


Querida Filha,

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Obrigada por dares utilidade à minha existência: organizar-te as ideias é um exercício que me diverte sempre, até porque me ajuda a organizar as minhas. Se o exercício serve para alguma coisa, já não sei. Mas descansa-me, o que é bom.

1. A minha primeira conclusão é a de que as mães de filhos pequenos podem esquecer a ilusão de que é possível descansar realmente quando se passam noites constantes de sono interrompido, e os dias a correr de um lado para o outro, sem tempo para terminar sequer um pensamento, tal as vezes que é intercalado pelas palavras “Ó mãe!”. Dito isto, o que mais me stressava não eram as horas que não dormia, era acordar e pôr-me a contar as que ainda me sobravam por dormir, e depois vê-las desaparecer como areia entre os dedos, em consequência da insónia que o pensamento me provocava. Ou seja, o primeiro passo para descansar, é deixar a contabilidade de fora disto.

2. A trabalhar naquilo que adoramos ou a fazer desporto, o segredo é o mesmo: produzir a adrenalina que apaga o cansaço. Tendemos a desvalorizar esta forma de descanso, como se representasse uma incapacidade de ficar quieto. E provavelmente até é, mas objectivamente trocar um stress por outro mais benigno talvez seja a única maneira realista de descansarmos.

3. Não fazer nada provoca culpa, mas mais estúpido do que isso é precisarmos que alguém nos autorize a descansar, que nos dê umas palmadinhas nas costas e nos diga que já merecemos o descanso. É patético. A tua amiga tem toda a razão, se não dermos o exemplo vamos passar esta visão calvinista da vida aos nossos filhos. O que é lamentável. Pela minha parte vou-me esforçar por dormir mais vezes a sesta, ver mais séries, ler mais livros, dar mais passeios, e não fazer o papel da coitadinha, na esperança de que tu me digas, “Ó mãe, vá descansar”.

Obrigada por este insight. A partir de agora vou ser uma velhinha crescida e sábia que descansa quando lhe apetece, ponto!


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram

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