Trump criticado na Fox News e alertado para a sua “obesidade mórbida” por dizer que toma hidroxicloroquina

Apresentador da estação preferida do Presidente dos EUA avisa os telespectadores que o uso do medicamento contra a malária na prevenção da covid-19 pode matar. Trump responde dizendo que está “à procura de um novo canal”.

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Donald Trump tem promovido o uso da hidroxicloroquina como tratamento para a prevenção e tratamento da covid-19 Reuters/LEAH MILLIS

O anúncio do Presidente norte-americano, Donald Trump, de que tem tomado um medicamento contra a malária como prevenção contra a covid-19, não aprovado para esse fim pela autoridade de saúde dos Estados Unidos, foi criticado em vários sectores do país incluindo no seu canal de eleição, a conservadora Fox News. E levou uma das suas maiores rivais na política, a líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, a provocá-lo com uma referência aos riscos da toma de hidroxicloroquina por quem tem “obesidade mórbida”.

“Ele é o nosso Presidente, e eu preferia que ele não tomasse uma coisa que não foi aprovada pelos cientistas, especialmente na idade dele e com o peso que ele tem, com obesidade mórbida, segundo dizem”, disse Pelosi numa entrevista na CNN, na segunda-feira à noite.

Donald Trump mede 1,90 cm e pesa 110 kg, e vai celebrar o seu 74.º aniversário no dia 14 de Junho.

De acordo com o relatório de exames médicos feitos em Fevereiro de 2019, o seu índice de massa corporal é 30,4 – um valor que o deixa à entrada do grupo com “obesidade de classe 1” segundo a tabela de referência adoptada pela Organização Mundial de Saúde. A obesidade mórbida (classe 3) surge com um IMC acima dos 40.

Horas antes, o Presidente norte-americano tinha surpreendido os jornalistas ao anunciar, sem que tivesse sido questionado sobre isso, que tem tomado um comprimido de hidroxicloroquina por dia nas últimas duas semanas.

“Vocês ficariam surpreendidos com a quantidade de pessoas que têm tomado [hidroxicloroquina], especialmente os profissionais que estão na linha da frente”, disse Trump numa conferência de imprensa, na Casa Branca, antes de fazer a revelação: “Eu estou a tomar hidroxicloroquina, comecei há um par de semanas.”

Sem provas científicas

O uso do medicamento contra a malária, lúpus ou artrite reumatóide foi aprovado para o combate à covid-19 pela autoridade de saúde norte-americana, a FDA, mas só em casos específicos e sempre em ambiente hospitalar.

Não há nenhum estudo conduzido segundo as regras adoptadas e aceites pela comunidade científica internacional, e revisto por pares, que demonstre o sucesso do uso de hidroxicloroquina no combate à covid-19 na generalidade dos casos, nem na prevenção do aparecimento de sintomas ou na infecção com o novo coronavírus. E a promoção da hidroxicloroquina pelo Presidente dos Estados Unidos já levou os especialistas na área da reumatologia a apelarem ao bloqueio temporário da venda do medicamento, temendo uma ruptura nos stocks que prejudicaria os doentes com lúpus, síndrome de Sjögren ou artrite reumatóide.

Por outro lado, há estudos preliminares que salientam possíveis efeitos negativos do uso da hidroxicloroquina em pacientes com covid-19, especialmente em pessoas com problemas cardíacos ou respiratórios. No site da FDA são descritos problemas como a taquicardia ventricular e o prolongamento do intervalo QT – que pode, no limite, causar morte súbita cardíaca.

Continuam a ser feitos estudos sobre o uso da hidroxicloroquina, em conjunto com outros medicamentos, e é possível que se venha a comprovar a sua utilidade como uma das armas no combate à covid-19. Mas, até agora, as autoridades de saúde internacionais têm desaconselhado a toma do medicamento como prevenção contra a infecção pelo novo coronavírus e para tratar a covid-19 na generalidade dos doentes.

Na semana passada, o cientista norte-americano Rick Bright disse no Congresso dos Estados Unidos, sob juramento, que foi afastado da liderança de um departamento responsável pela procura de vacinas, em Abril, porque se opôs à promoção da hidroxicloroquina pela Casa Branca como tratamento da covid-19.​

"Vai matar-vos"

As declarações do Presidente norte-americano, na segunda-feira, levaram um pivô do canal Fox News a lançar um alerta aos seus telespectadores contra o uso da hidroxicloroquina, o que motivou, por sua vez, uma avalancha de tweets de Trump com críticas ao canal.

“Se você fizer parte de um grupo de risco, e se estiver a tomar [hidroxicloroquina] como tratamento de prevenção para não ser infectado com o vírus, ou, no pior cenário, se já estiver a lidar com o vírus, isto vai matar-vos”, disse o apresentador Neil Cavuto, depois de citar exemplos de estudos, um deles com veteranos norte-americanos, que desmentem os benefícios sugeridos por Donald Trump.

Semanas depois de o Presidente norte-americano ter sugerido aos cientistas da Casa Branca que estudassem os possíveis benefícios da injecção de desinfectantes nos pulmões de pacientes com covid-19 – uma sugestão que disse, no dia seguinte, ter sido feita de forma sarcástica –, o pivô da Fox News alertou os telespectadores para não seguirem o exemplo de Donald Trump em relação à hidroxicloroquina.

“É uma decisão que não deve ser tomada de forma despreocupada por quem nos está a ver em casa, e que pode pensar que se o Presidente dos Estados Unidos o diz, é porque não há problema. Não estou a dizer isto para salientar qualquer argumento político, mas sim como alerta num caso de vida ou morte. Tenham cuidado, tenham muito cuidado”, disse Cavuto.

Em resposta, o Presidente norte-americano, que é um espectador confesso da Fox News e elogia regularmente informações transmitidas no canal, publicou no Twitter seis mensagens críticas do apresentador Neil Cavuto.

“Temos saudades do grande Roger Ailes”, disse Trump, referindo-se ao co-fundador e presidente da Fox News que morreu em 2017, um ano depois de se afastar do canal ao ser acusado de assédio sexual por 23 mulheres. “Vocês têm muito mais pessoas anti-Trump do que antes. Estou à procura de um novo canal!”

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