Sector automóvel admite até 12 mil despedimentos, CIP quer layoff prolongado

Diploma do layoff simplificado prevê prolongamento para lá de Junho, após ponderação da evolução económica e social. Patrões garantem que é necessário.

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PHILIPPE WOJAZER/REUTERS (ARQUIVO)

O diploma que criou o layoff simplificado é válido até 30 de Junho, mas o Governo previu, no próprio decreto-lei, uma possível prorrogação por mais três meses “em função da evolução das consequências económicas e sociais da covid-19”. Para a Confederação Empresarial de Portugal, não há dúvidas de que é preciso prolongar esta medida temporária para salvar postos de trabalho. Há sectores, como o da indústria de componentes de automóveis que, no pior cenário, pode despedir até 12 mil trabalhadores, isto é 20% dos quase 60 mil empregados que tem actualmente.

Além do alargamento do prazo, os patrões pedem também mais flexibilidade na gestão do layoff. No fundo, querem ter a possibilidade de fazer entrar e sair funcionários desse mecanismo em função das encomendas ganhas ou perdidas. É algo que acontece noutros países. O presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel, que representa cerca de 260 empresas com quase 60 mil funcionários, chama-lhe “adaptação do layoff às circunstâncias”.

“A maior parte dos construtores de carros anunciaram que iriam reiniciar produção, o que já aconteceu. Mas fizeram-no segundo esta condição: só vão laborar se o mercado reagir. E já anunciaram que se não tiverem reacção do mercado dentro de duas semanas, voltam a fechar, o que se reflectirá em toda a fileira. Por isso é importante que o layoff possa ser adaptado às circunstâncias”, disse José Couto, durante a apresentação, esta tarde, dos resultados do segundo inquérito às empresas que a CIP leva a cabo semanalmente em cooperação com o Marketing FutureCast Lab do ISCTE.

O mesmo responsável admite ainda que “no pior cenário”, o sector que representa, e que no ano passado tinha facturado 12 mil milhões de euros, pode perder 30% da receita este ano e ter de despedir 12 mil trabalhadores.

Será o primeiro líder industrial a admitir que, apesar do esforço do layoff, que 90% das empresas da AFIA aplicaram, poderá ser necessário despedir. E será também o primeiro dirigente empresarial a avançar até com um número concreto.

O PÚBLICO pediu os pressupostos que permitiriam antever esse cenário, o pior, como bem sublinhou José Souto, mas que aponta para despedimentos, que é aquilo que o layoff simplificado tenta evitar (e na lei até proíbe durante os dois meses seguintes à retoma). O presidente da AFIA acabaria por apontar para o choque na procura como a razão fundamental.

Citando estimativas europeias, disse que em 2020 serão vendidos menos 3,5 milhões de carros e que em toda a Europa poderão perder o emprego 500 mil dos empregados do sector automóvel. E acrescentou que tinha, no fim de Março, 1,1 milhões de pessoas em layoff ou que perderam o emprego. O sector tem 2,6 milhões de postos directos. E contribui indirectamente para mais 11,2 de empregos neste continente.

No final de 2019, José Souto já tinha admitido que o sector poderia vir a perder entre mil e 3000 trabalhadores até 2022, na sequência da mudança para a mobilidade electrificada e de uma redução nas vendas que se adivinhava no horizonte. Porém, a pandemia baralhou tudo e agravou substancialmente as projecções deste sector que, em Portugal, criou 19 mil empregos na última década. Não admira: foram dez anos de recordes, ao ponto em que 80% da frota mundial tem pelo menos um componente produzido por uma fábrica portuguesa.

José Souto garante que os empresários “querem salvar empregos” e insiste que, dadas as incógnitas presentes, é preciso garantir o layoff por mais tempo e com maior flexibilidade.

A indústria automóvel tem lucros anuais de quase 75 mil milhões de euros, 204 milhões de euros por dia, em todo o mundo, segundo as contas já feitas pelo PÚBLICO. Não deveria ser solidária e aguentar o choque, garantindo os empregos que, aliás, estão a ser preservados com o apoio financeiro do Orçamento do Estado, ou seja, dinheiro dos contribuintes? José Souto insiste, de novo, que não é intenção dos empresários despedir, até porque isso seria “perder conhecimento e competitividade”. Mas salienta que é preciso distinguir construtores automóveis, que têm lucros dessa dimensão, e o sector dos componentes, que em Portugal tem usado lucros para financiar investimento. “Veja que temos um investimento médio de 2,5 milhões de euros por empresa”, anota.

85 mil pagamentos, 260 milhões

O prolongamento do layoff para lá dos três meses previstos no decreto-lei seria fundamental para ajudar esta e outras indústrias a absorver o choque, a ajustar-se ao timing da retoma económica, sublinha, por seu lado, o presidente da CIP. António Saraiva garantiu que esta semana deverão aprovar a proposta de criação de um fundo para capitalização das empresas, pondo as mais frágeis e descapitalizadas a salvo de “compras oportunistas”.

Além disso, revelou, com base no estudo conjunto com o ISCTE, que mais de metade das empresas se mantém parcial ou totalmente paradas. Além disso, 48% da amostra (não probabilística) de 1451 empresas pediu layoff e 44% não pediu nem pensa vir a fazê-lo. Sobram 8% que ainda não pediram, mas pensam fazê-lo, metade dos quais recorrerá ao layoff em Junho, mês em que a vigência do diploma termina.

Um quarto das empresas com layoff aplicou esta medida a todos os trabalhadores e 75% afectou apenas uma parte da força laboral. E um terço das empresas com layoff já o renovou por mais um mês. Também referiu que há 107 mil empresas com layoff, envolvendo 623 mil trabalhadores. O Estado fez 85 mil pagamentos, no valor de 260 milhões de euros.

António Saraiva diz que os parceiros sociais vão continuar a avaliar a evolução na concertação social e sempre aponta para a evidência de haver layoff “normal” no Código do Trabalho, a que qualquer empresa pode recorrer nos termos da lei. Porém, fala de uma crise “sem precedentes” para justificar a necessidade de manter o regime simplificado, que dever ser ainda mais flexibilizado.

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