Somos todos “qualquer coisa”. É tempo de sermos professores

Nestes dias, a nossa luta foi para manter a escola a funcionar de uma forma que poucos de nós conhecia ou até estaria preparado.

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Tiago Lopes

É moda, está visto, à primeira dificuldade unimo-nos e somos todos qualquer coisa! Começamos por ser Todos Charlie Hebdo, já fomos todos Marega, já fomos todos “isto” ou “aquilo” quando isto ou aquilo nos dá jeito.

Assim que passa a onda da solidariedade virtual retomamos a normalidade e atacamos sempre os mesmos.

Durante esta pandemia, as ondas solidárias já foram muitas, começando pelo pessoal de saúde, depois pelos profissionais da área da alimentação e por todos aqueles que ainda assim mantém o país a funcionar. Na educação multiplicaram-se os “Obrigado, professores”, de todos, mesmo daqueles de quem já pouco se esperava, mas atenção que só acontece porque o tempo assim o exige.

Acredito que muitos dos agradecimentos serão sentidos, verdadeiros, mas prevejo que outros tantos serão de circunstância. Nós, professores, não devemos nada a ninguém, menos ainda no que toca à disponibilidade de horário laboral, era assim em tempos pré-covid, tornou-se ainda mais evidente nestes dias.

Estamos quase 24h disponíveis, seja por SMS, e-mail, WhatsApp ou qualquer outra plataforma digital, que nos permita contactar com os pais e alunos diariamente, dando o nosso melhor. Passámos de um ensino presencial, do século XIX, diziam os detractores, para um ensino à distância em quatro ou cinco dias. Passámos a interrupção lectiva da Páscoa em diversas formações online para recomeçar o 3.º período, mesmo que muitos fossem contra o formato que estava a ser planeado.

Nestes dias, esquecemos tudo, esquecemos todas as lutas, de horários a progressões, de descongelamento a número de alunos por turma. Nestes dias, a nossa luta foi para manter a escola a funcionar de uma forma que poucos de nós conhecia ou até estaria preparado. E conseguimos! Sim, nós conseguimos!

Mesmo depois de tanto desprezo para com uma classe inteira, munimo-nos de toda a tecnologia necessária, com meios próprios e não deixamos a escola cair! Nós conseguimos!

Por isso, caros políticos, no pós-covid, lembrem-se todos que a não-falência do sistema educativo deveu-se a nós, professores. Porque, apesar de fartos de ver a educação a ser destratada, conseguimos! Dissemos presente.

No pós-covid será ainda mais difícil, para todos, bem sabemos, mas essa será a hora de nós dizermos basta. Basta a mais desprezo, a mais cortes, a mais austeridade, a horários descontrolados, ao habitual assobiar para o lado para os problemas reais de quem frequenta diariamente as escolas, como a indisciplina. Basta!

No pós-covid, perguntem-nos, consultem-nos com tempo, com seriedade, sobre que projectos temos para a educação, consultem-nos para saber como podemos ajudar a partir de Setembro. No pós-covid não esperem mais milagres, já os fizemos tantas vezes que estamos fartos. Basta de milagres.

Vamos olhar para a Educação como um verdadeiro interesse nacional, como uma verdadeira prioridade nacional. Investir em recursos humanos, mais professores, turmas mais pequenas. Investir nos recursos digitais. Investir!

Não podemos olhar para a Educação e para os professores como sendo os alvos fáceis, o saco de boxe da sociedade.

Tenho fé que no pós-covid poderemos dar o grande passo rumo à restruturação da Educação. Se temos de ser sempre “qualquer coisa” peço que, no pós-covid, sejamos todos professores, sejamos todos Educação.

Faço aqui um apelo a todos os professores: uma vez que nos dias que correm o acesso à educação está praticamente garantido em Portugal, temos de colocar mãos à obra para lutar pela sua qualidade.

Esta terá de ser a nossa luta! Teremos de ser nós! Os problemas da escola são os problemas da sociedade e vice-versa, mas a sociedade parece ainda não ter entendido isto.

Deveremos colocar no topo das prioridades nacionais, em conjunto com outras áreas, a Educação.

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