Catarina Martins diz que estratégia de Costa para responder à crise “é equívoca”

A líder do Bloco de Esquerda contrapôs as declarações do primeiro-ministro e vinca que “investimento hoje é receita amanhã” e diz que o partido só estará disponível para uma solução de apoio ao Governo caso não haja cortes no investimento.

Foto
A líder bloquista respondeu ao primeiro-ministro para o lembrar do compromisso de não aplicar austeridade LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS

Catarina Martins considera que as respostas estudadas pelo primeiro-ministro para enfrentar a futura crise social e económica​ são “equívocas” e lembra que “foi nos serviços públicos que o país encontrou uma resposta necessária e urgente” para enfrentar a crise sanitária provocada pelo coronavírus. “A maior força que o país demonstrou ter foi um Serviço Nacional de Saúde e uma escola pública”, sublinhou a líder bloquista, no final de um encontro da mesa nacional do Bloco de Esquerda (BE).

No final da reunião, que juntou 76 membros do BE em videoconferência, os bloquistas apontaram críticas ao que ficou por fazer nesta fase de estado de emergência, mas reforçaram a sua disponibilidade para integrar uma solução de apoio ao Governo. Um apoio que o BE só está disposto a dar caso executivo de António Costa se comprometa de forma clara a “não repetir os erros da crise de 2008”. 

Em resposta às declarações do primeiro-ministro, Catarina Martins vinca que o BE só apoiará o Governo se a estratégia for de investimento e não de corte nos rendimentos, nomeadamente através do aumento de impostos, como António Costa admitiu enquanto solução de futuro. “A frase ‘despesa hoje, imposto amanhã’ é equívoca, porque o investimento hoje é receita amanhã”, declarou a líder do BE. Da mesma forma, continuou, “emprego hoje, é a contribuição da Segurança Social e a receita fiscal de amanhã”. “Foi isso que nós aprendemos sobre a crise financeira”, argumentou. “Não estamos disponíveis para políticas que acrescentem crise à crise”, avisou por isso Catarina Martins.

A antiga parceira do acordo de governação à esquerda diz não temer perder o lugar para Rui Rio, até porque o seu partido e o PSD apresentam “soluções diferentes” e “ninguém espera que o BE apresente propostas de austeridade”. E deixou um recado ao líder social-democrata, aludindo às críticas feitas a quem aponta o dedo ao Governo: “Não confundimos solidariedade com um Governo que está a combater a crise com um unanimismo que reduza a política a zero e faça com que, na ausência de proposta, seja a austeridade a parecer natural”.

“Têm havido vozes diferentes no Governo e não se percebe qual é a estratégia concreta para a recuperação do país. O Governo diz recusar a austeridade, mas depois parece apresentar medidas nesse caminho”, lamentou a líder bloquista, criticando que o Governo admita não aumentar os salários da função pública no próximo ano. “Parece-me até um desrespeito para com os profissionais de saúde, de segurança e para com os professores, que estão na linha da frente deste combate. O que o país deve discutir é como é que se reforçam as carreiras e salários destas profissões que se demonstram essenciais ao país.”

Foto
O encontro da mesa nacional do BE decorreu através de videochamada com 76 dos 80 membros do órgão DR

Em jeito de balanço, o BE criticou que o Governo não tenha proibido despedimentos e obrigado à reintegração de precários” às empresas que recebem ajudas do Estado, permitindo que “se tenha criado desemprego”. Os bloquistas condenaram também que o Governo não tenha recorrido à requisição civil aos serviços privados de saúde, nomeadamente de clínicas e hospitais que encerraram no início da pandemia. Catarina Martins lembrou que “há situações de sobrelotação”, nomeadamente em lares de idosos, e que em vez de improvisar hospitais de campanha em tendas e pavilhões, o Governo deveria recorrer ao sector privado.

Catarina Martins disse ainda estar “preocupada” com a injecção de dinheiro no Novo Banco, uma decisão que o ministro das Finanças, Mário Centeno, garantiu que é para manter e que deverá avançar ainda antes do final da auditoria à mesma instituição bancária. “Parece-nos imprudente que num momento de crise se prepare para mais uma injecção no Novo Banco e o faça sem que seja conhecido o resultado da última injecção”.

De Bruxelas, o Bloco diz só ouvir um debate “preso à austeridade e à doutrina da dívida”. Catarina Martins diz que as propostas não quebram “com o modelo ruinoso de resposta à crise em 2008” e aponta riscos à criação de dívida junto do Mecanismo Europeu de Estabilidade. “Não tem a capacidade financeira para resposta a esta crise e obriga à imposição de medidas de austeridade a prazo que seriam ruinosas para as economias europeias”, considera a líder do BE.

Em alternativa, o BE propôs ao Governo que o fundo de recuperação seja financiado directamente pelo Banco Central Europeu, através da capacidade de emissão monetária, o que, nas contas de Catarina Martins, permitiria financiar a economia portuguesa em 30 mil milhões de euros. “É uma medida que pode ser implementada de forma imediata e não exige alteração de nenhum tratado; permitiria financiar os países com juro próximo de zero e que não aumenta os problemas de dívida e, na proposta do BE, o fundo pode ser feito com maturidades a 80 anos para que não haja nenhuma pressão a curto prazo”, contrapôs pedindo uma “voz forte” a António Costa no Conselho Europeu “contra mais endividamento e austeridade”.

25 de Abril: “Seria inaceitável que não assumissem a sua responsabilidade”

Em relação à comemoração do Dia do Trabalhador e do Dia da Liberdade, Catarina Martins confia que “tudo seja feito considerando as indicações das autoridades da saúde” e apenas se, até lá, não existirem indicações contrárias por parte das autoridades de saúde. Mas para o BE, a celebração do 25 de Abril na Assembleia da República é “uma obrigação” para os representantes políticos eleitos. “Seria inaceitável que os responsáveis políticos não assumissem a sua responsabilidade de o fazer”, notando que as regras definidas têm mais limitações do que as aplicadas em trabalhos parlamentares recentes. “Ninguém compreenderia que a indústria, profissionais de saúde e distribuição esteja a trabalhar e que os partidos políticos emigrassem para parte incerta e não tivessem a responsabilidade da proposta e do programa político”, afirmou em resposta às críticas que têm surgido.

A mesa nacional bloquista decidiu ainda suspender as actividades relacionadas com a XII Convenção Nacional, que continua agendada para 24 de Outubro. No entanto, as decisões definitivas sobre a realização do encontro nacional foram empurradas para o próximo encontro da mesa nacional bloquista, em Junho.

Já sobre em relações às eleições presidenciais e a perspectiva de apresentar um candidato presidencial, ainda nada está ainda decidido (mas também nenhuma decisão foi suspensa), sabe o PÚBLICO.

Sugerir correcção
Ler 21 comentários