Carta aberta ao reitor da Universidade do Porto

Encontramo-nos, hoje, em meados de Abril. Enquanto aluna do 4.º ano do curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, a minha época de exames começaria dia 18 de Maio. Isto significa que começaria de hoje a praticamente um mês. Porém, da Reitoria pouco ou nada se ouviu.

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Exmo. Senhor Reitor da Universidade do Porto, Professor Dr. António Sousa Pereira,

Venho, por este meio, parco, assuma-se, tentar fazer-lhe chegar o âmago das preocupações que perturbam a vida dos estudantes nos tempos que nos assolam. Também por este meio venho tentar chamar a atenção de V.Exa. para a necessidade urgente de agir e de comunicar. Agir e comunicar, com proximidade, com honestidade, com clareza, com consideração, com empatia, com democraticidade. Sim, democraticidade. Aquela que não funciona só pela representatividade nos órgãos. Aquela que tenta chegar aos organismos celulares que compõem esta grande casa que é uma universidade.

Encontramo-nos, hoje, em meados de Abril. Enquanto aluna do 4.º ano do curso de Direito da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, a minha época de exames começaria dia 18 de Maio. Isto significa que começaria de hoje a praticamente um mês.

As aulas presenciais foram suspensas em Março. Dia 11 de Março, concretamente. Desde então, a Reitoria, é certo que com toda a imprevisibilidade que a nossa situação comporta, terá tido tempo para apalpar o chão quanto aos cenários possíveis, tempo para propor respostas e alternativas, tempo para, dentro do possível, tirar os estudantes do lodaçal de incerteza em que nos afundou a adversidade.

Porém, da Reitoria pouco ou nada se ouviu. Da Reitoria dimana, desde então, um ensurdecedor silêncio. Um silêncio de tal magnitude que nos leva a questionar se estará efectivamente a decidir, ou se, nesse processo de decisão, quererá tomar em conta a opinião dos que serão os mais afectados pelas suas decisões.

Apesar dos esforços das comissões de curso, e do que nos é transmitido quanto à actuação da Associação de Estudantes, temo ter que admitir que considero tudo isto bastante parco. Parco porque atrasado. Parco porque adiado. Parco porque inevitavelmente desfasado daquilo que exige o planeamento de vida dos estudantes.

Desde Março que uma penumbra imperscrutável tombou sobre o nosso futuro. Aulas à distância, é certo que cabendo dentro do que a conjuntura possibilita. Estudantes sem acesso a meios telemáticos que viabilizem os novos modos de ensino, estudantes privados das infra-estruturas cujo usufruto é coberto pela prestação pontualmente cumprida sob forma de propina, estudantes sem biblioteca, sem espaço de estudo, mas, é certo, tudo fruto dos tempos anómalos. Estudantes deslocados onerados com o pagamento de rendas de casas das quais nem usufruem, pendurados na incerteza sobre o seu futuro, ansiosos e impacientes, desconhecendo se realizarão exames presenciais ou não, se os farão nas datas previamente agendadas ou posteriormente. Estudantes cujos planos de futuro dependem de um reagendamento de acessos a mestrados ou não, de entrada em estágios redefinida em função da sua licenciatura em data prevista ou não. Foram problemáticas levantadas pelos estudantes até agora, algumas das quais obtendo respostas, outras recebendo aquele insondável e lúgubre silêncio.

De muitas falhas se poderia acusar neste momento a Reitoria. Assim como as associações de estudantes. Assim como a Federação Académica do Porto, entre outros tantos. Poderíamos mencionar aqui que se torna dúbio o real interesse de um Conselho Nacional de Reitores das Universidades Portuguesas, se pudermos assinalar a iniciativa de algumas universidades no sentido de cancelar por completo aulas presenciais, ou no sentido de fixarem, isoladamente, o calendário de académico. Mas não iremos por aí.

Esta carta denota um apelo desde a sua sílaba inicial. O apelo é uma resposta a uma crise, da qual, como todas as crises, esta pandemia fez um teste de algodão, uma lupa implacável e minuciosa. E esta crise, à qual o apelo procura responder, concretiza-se na grande antidemocraticidade que todo este processo tem revelado. Onde está o contacto com os estudantes? Onde está a vontade de os ouvir? Onde estão os instrumentos democráticos que façam do órgão representativos dos estudantes verdadeiros auscultadores e emissores de opinião, e não meros receptáculos de informação e ordem? Pois, no meio desta amálgama, as consultas e investidas perante tais órgãos que, incansavelmente, os estudantes vão tentando revelam-se infrutíferas.

Talvez isto seja sintomático de uma doença maior. A doença do “paninho quente”. Talvez seja mais fácil tomar decisões à base de cedências fáceis. Talvez custe menos suor, menos dor de cabeça, menos sangue, quiçá. Talvez seja mais fácil anuir a tudo e, enquanto aluna da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, no meu percurso de quatro anos, analisando as dinâmicas com a Reitoria, concluo que talvez tenha sido muitas vezes esse o caminho. Mas entendo que, se antes era imperativo, hoje é crucial. É urgente chamar à acção. É urgente exigir o nosso direito a ter voz. É urgente exigir o nosso direito à informação. E, mais do que tudo, é urgente reaprender o jogo de forças e esforços concretos e crus do qual emergem soluções reais, que contemplam as necessidades reais de sujeitos reais, forças essas engajadas num processo de decisão comum no qual se procure a síntese do interesse de todos.

E agora pergunto-me: como é que a Reitoria espera saber do interesse de todos se, à data, 15 de Março, aguardando uma resposta sobre a avaliação dos estudantes para depois da Páscoa que já passou, não foram, que se saiba, colocados em marcha verdadeiros processos democráticos de sindicação das opiniões, vontades e necessidades dos estudantes? Desde dia 11 de Março que a faculdade funciona a meio gás. Desde dia 11 de Março que a Universidade Porto, na sua generalidade, ouve os clamores, meio abafados, meio receosos, meio desinformados, de vários dos seus elementos. Desde esse dia que o apelo urge.

Venho, assim, e retomando o mote inicial desta missiva, apelar à consideração de V.Exa., Professor Doutor António Sousa Pereira, Reitor da Universidade do Porto, para que os anseios dos estudantes sejam correspondidos. Para que, à falta de certezas mais firmes, se alivie o peso do silêncio e se tente comunicar com mais proximidade, ouvir com mais atenção e decidir com mais consenso e maior celeridade. E para que o espírito crítico, o diálogo, enfim, a democracia, sejam promovidas como pilares desta Academia.

Até quando este silêncio? E até quando nos condenam ao nosso silêncio?

Saudações académicas.

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