Foi você que pediu um “Magalhães”?

É de saudar o anúncio feito pelo primeiro-ministro de que até ao início do próximo ano lectivo voltará a ser assegurado “o acesso universal às plataformas digitais, quer em rede, quer em equipamento, a todos os alunos do ensino básico e secundário”.

É bem conhecido o clássico anúncio publicitário da marca de vinho do Porto, fundada por Dona Antónia Adelaide Ferreira, com o mítico claim: “Foi você que pediu um Porto Ferreira?” Pois bem, a mesma interjeição interrogativa podia agora aplicar-se, em tempo de confinamento domiciliário, a muitas famílias com filhos em idade escolar, obrigados ao ensino à distância, e em cujos lares escasseiam computadores e acesso à internet. É por isso que logo nos salta à memória tempos não muito distantes, em que todas as crianças e jovens em Portugal dispunham de um computador portátil com acesso à internet em banda larga móvel. Tudo graças ao programa e-Escola, popularmente conhecido por “Magalhães”, que, na verdade, ia muito para além dos mini-laptops destinados exclusivamente aos alunos do 1.º ciclo, e que compreendia, em muito maior número, diversas marcas de computadores portáteis, destinados aos alunos do 5.º ao 12.º anos e aos professores do ensino básico e secundário.

Convém esclarecer os menos informados que Portugal foi o primeiro país do mundo a garantir a universalidade no acesso a equipamentos e redes de alto débito, a todos os alunos e professores da escolaridade obrigatória. E que o programa e-Escola, desenvolvido no âmbito do Plano Tecnológico da Educação (PTE), que decorreu entre 2007 e 2011, catapultou Portugal para os lugares cimeiros a nível mundial nos índices de penetração de banda larga móvel, a par de países como a Finlândia, a Suécia, a Coreia do Sul e o Japão. Conviria, igualmente, que se soubesse que, enquanto decorria este programa, a OCDE desenvolveu um estudo de avaliação de competências digitais – Students Online, Digital Technologies and Performance, no âmbito do PISA 2009 – e que, entre mais de 40 países avaliados em todo o mundo, os alunos portugueses classificaram-se em 1.º lugar em três indicadores: 1) nível de confiança na utilização de computadores; 2) nível de confiança na execução de tarefas complexas com TIC; 3) nível de desempenho na elaboração de apresentações multimédia. Tal como conviria saber que foi na avaliação do PISA 2009, que coincidiu com a fase mais intensa de implementação do programa e-Escola, que se registou a maior progressão na performance dos alunos portugueses neste ranking da OCDE, que avalia as competências em língua, matemática e ciência.

Dito isto, parece claro que foi um erro ter descontinuado o programa e-Escola e ter extinto o PTE. Como foi um erro não ter retomado na última década a estratégia, iniciada em 2007, de apropriação das tecnologias em contexto de aprendizagem e de combate à info-exclusão da comunidade escolar. A verdade é que se se tivesse dado continuidade a essa aposta, como alguns reclamaram em vão, hoje estaríamos muito melhor preparados para, sem improvisos ou sobressaltos, assegurar o processo de ensino/aprendizagem virtual, sem ter de recorrer a velhos modelos, tipo Telescola, que ontem, como hoje, se destina a responder à necessidade de integração dos alunos mais pobres e excluídos.

É, assim, de saudar o anúncio feito pelo primeiro-ministro, António Costa, de que até ao início do próximo ano lectivo voltará a ser assegurado “o acesso universal às plataformas digitais, quer em rede, quer em equipamento, a todos os alunos do ensino básico e secundário”.

É, contudo, importante que se perceba os custos para o país da ausência de uma política pública neste domínio na última década e daí se retirem as devidas ilações para o futuro. Impõe-se, por isso, potenciar o know-how adquirido e a capacidade instalada por ação do PTE, porque, felizmente, nem tudo se perdeu. O país deve aprender com as virtualidades e com os erros dessa estratégia, porque também os houve, mas sem ceder aos estafados ataques “ad hominen” daqueles que não resistem à tentação de tomar a nuvem por Juno.

O país deve, assim, virar a página e entrar numa nova fase no domínio da inovação na Educação, focada na criação de uma nova geração de recursos educativos, designadamente através de programas que promovam a sua desmaterialização e a criação de plataformas digitais e conteúdos interativos e multimédia, implementando a legislação aprovada na Assembleia da Republica, Lei n.º 72/2017, de 16 de agosto, intitulada “Desmaterialização de manuais e de outros materiais escolares”.

As vantagens desta mudança de paradigma, para a qual os decisores políticos estão a ser empurrados pelas nefastas circunstâncias que vivemos, constituem, não obstante, uma oportunidade imperdível para promover estratégias de ensino/aprendizagem mais ajustadas ao século XXI, capazes de melhorar a interação professor/aluno, de transformar modelos de ensino unidirecionais e centrados no professor em abordagens metodológicas nas quais os alunos possam desenhar e implementar os seus percursos de aprendizagem, tornando o processo de ensino/aprendizagem mais interativo, dinâmico e estimulante.

Vivemos tempos desafiantes para os quais são necessárias respostas inovadoras e muitas vezes disruptivas, que nos obrigam a abandonar a nossa “zona de conforto” e a pensar “fora da caixa”.

Sabemos bem que vivemos num país onde, não raras vezes, os preconceitos ocupam o lugar dos argumentos. Daí que também ao nível das mentalidades seja imperioso que nos reinventemos. E para os velhos do Restelo, que sempre se agitam em tempos de incerteza, é preciso responder com a frase de Dante Alighieri: “Quem és tu que queres julgar, com vista que só alcança um palmo, coisas que estão a mil milhas?”

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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