Como vai ser o terceiro período? E a seguir?

Atividade para já: planear o a seguir. Como compensar os alunos, sobretudo os que têm necessidades educativas especiais e os de famílias carenciadas?

O Ministério da Educação, as escolas e os colégios preparam-se para começar, na próxima semana, o terceiro período. Com ensino à distância durante um mês, quem sabe se não o período inteiro. É uma intenção nobre, desde logo porque há que manter crianças e adolescentes ocupados – pelo menos eu tenho que manter a criança e o adolescente cá de casa ocupados. No entanto espero que por todo o sistema educativo tenham noção de que vão ser aulas a brincar. E que estejam já a preparar o depois deste terceiro período.

Segundo leio, vai-se reanimar, em formato século XXI, a idosa telescola para os alunos do ensino básico. É boa ideia ou, na verdade, a única possível pela falta de acesso a Internet e computadores por 50.000 alunos só no ensino básico. Como é fácil de perceber, é também muito limitada. É certo que muitas escolas e nos colégios usarão plataformas próprias, das editoras dos manuais escolares, de videoconferência ou as redes sociais. Porque – só mais uma evidência do impacto das desigualdades sociais na educação – estes alunos têm em casa tablets e computadores que lhes permitem o acesso a tudo o que facilita o ensino à distância. Os que não têm ficam de fora.

A minha experiência de aulas à distância (as das duas últimas semanas antes das férias e as que aí vêm) é na ótica do utilizador: tenho um filho no 5.º ano e outro no 8.º. Estão num colégio e vão ter aulas através de videoconferência, com materiais de cada disciplina colocados na plataforma digital que já existia. Vão ter horário, tanto quanto possível parecido com o normal.

Tudo muito bonito, não é? Não. Pela minha parte não vejo como boa ideia miúdos de 10 e 14 anos estarem horas a fio em frente a um computador. Além disso, o mais novo tem défice de atenção. Não a ponto de não parar quieto na secretária, mas já no de se distrair com tudo o que a mente humana se consegue lembrar. Sem um professor para o trazer de volta à terra várias vezes por aula, e tendo em conta que a mãe ou o pai não poderão passar o tempo todo com o catraio, estou à espera que se torne num James Stewart no Janela Indiscreta, ocupando-se a coscuvilhar a vida dos vizinhos pela janela.

Temos alunos com necessidades educativas especiais. Pais que estão em teletrabalho, quando não com profissão que os obrigue a sair de casa. Alunos que têm telemóvel mas não tablet, computador nem impressora (ou, tendo, estão ocupados pelos pais ou irmãos). Nem podem ir à biblioteca da escola e não têm livros em casa.

Há pais negligentes. E pais dedicados, mas sem literacia e estrutura que lhes permitam apoiarem os petizes nas matérias. Mesmo pais com formação abundante têm dúvidas com programas tão diferentes. Nestas últimas semanas, com o mais novo, fiquei a saber da existência de um misterioso complemento oblíquo presente em algumas frases (será o complemento indireto do meu tempo?) e do algoritmo de Euclides. Até posso explicar ao rapaz como se calculam integrais ou o que é uma função exponencial, agora muito em voga. Mas algoritmo de Euclides não faço ideia e, se calha ter dúvidas, tenho de contratar o mais velho (adolescente temperamental) para o ajudar.

Com tantos ingredientes para correr mal, espero que pelo Ministério da Educação, pelas escolas e pelos colégios haja o mínimo de sensatez de ver este período mais como oportunidade de aprendizagem abrangente que de avançar programas. Porque não se trata só de benevolência na avaliação do final de ano – que será necessária. Ou cancelar os exames, exceto no 11.º e 12.º anos, e as provas de aferição – como julgo inevitável.

A minha sugestão vai na linha de deixar matéria nova para mais tarde e, agora, treinar outras competências. Em vez de novidades a matemática e gramática, podem rever matéria, fazer apresentações (que se gravam até num telemóvel), trabalhos de pesquisa adequados às idades, fichas de leitura de livros disponíveis na Internet ou de artigos dos media online, ver filmes e documentários alusivos a História, Ciências e por aí em diante (nos canais da RTP ou, se curtos, nos telemóveis). Os alunos do secundário, já autónomos, com facilidade estudam e aprendem sozinhos em casa, mas os mais novos precisam de um elemento lúdico para sobreviverem às aulas à distância e retirarem algum proveito.

Procurei testemunhos mais técnicos. Renato Paiva, pedagogo, reforça a ideia de que os alunos devem levar o ensino à distância com responsabilidade, não meramente uma operação de entretenimento que a escola nunca pode ser. Não o choca usar conteúdos diferentes até para matéria nova. Tem, no entanto, de se garantir a equidade no acesso aos conteúdos. Chama a atenção de as necessidades de aulas de compensação dos alunos do secundário variarem com áreas e cursos escolhidos, podendo a matéria ausente vir a ser dada nos programas das universidades.

Catarina Coutinho, professora numa escola da Damaia, conta como as últimas semanas foram dedicadas a fazer o levantamento dos recursos que os alunos, geralmente carenciados, têm em casa, e em não perder totalmente o contacto. Considera que não é necessário dar matéria nova, dando-se mais tarde ou até eliminando. Os exames dos próximos anos devem deixar de fora a matéria deste tempo. Mas haverá sempre alunos que não vão fazer nada, com pais fora de casa, sem sequer as rotinas que a escola os obriga.

Logo, atividade para já: planear o que vai acontecer a seguir. Como compensar os alunos, sobretudo os que têm necessidades educativas especiais e os de famílias carenciadas?

Por fim, sei bem que antes da pandemia vivíamos em tempo de cativações. E no pós pandemia teremos de gastar dinheiro no relançamento da economia (e subsídios de desemprego). Mas convém estudar, a nível central ou de autarquias, a disponibilização de tablets para uso de alunos carenciados que não têm estes equipamentos em casa. Mantendo a propriedade dos gadgets nas escolas, promovendo o mecenato (quando as empresas voltarem a ter tesouraria), começando pelos mais velhos. Ninguém quer ressuscitar a operação Magalhães, universal e tão mal desenhada. No entanto, o acesso a conteúdos digitais em formatos mais adequados que o telemóvel é uma necessidade de todos os alunos para os anos 2020. Mesmo fora das urgências da covid-19.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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