A covid-19 e o futuro da Europa

Acrescentar uma crise financeira a uma crise sanitária e a uma crise económica não é claramente a melhor das estratégias.

Penso que a União Europeia irá sobreviver a esta crise, mas gostaria que o fizesse da melhor maneira, criando as condições para um saudável aprofundamento da integração no futuro pós-crise e não, como em 2010-2014, agravando os ressentimentos nacionais e alimentando os movimentos nacionalistas e antieuropeus.

A Covid-19 invadiu as nossas vidas europeias em 2020. Para evitar a completa desorganização dos sistemas de saúde e assim salvar vidas, os governos dos diferentes estados sucederam-se a colocar as populações de quarentena. Algumas, poucas empresas, encontraram aí uma oportunidade de negócio, como as ligadas ao comércio on-line. Mas a grande maioria das empresas abrandaram a atividade e aquelas que não podem viver em teletrabalho simplesmente pararam. De um dia para o outro, setores inteiros de atividade veem o seu volume de negócios reduzir-se a quase nada, como a restauração ou o turismo. A incerteza é imensa relativamente à evolução da curva epidemiológica, à duração necessária da quarentena, e ao consequente impacto final desta pandemia na economia. Sabemos, no entanto, que esses efeitos vão ser brutalmente negativos.

Para enfrentar o problema de saúde publica e amortecer o choque económico, os governos desdobram-se em medidas e anúncios de apoios económicos brutais para evitar falências, preservar emprego, apoiar os mais vulneráveis e manter a estrutura do tecido económico. Este investimento brutal, somado ao aumento da despesa publica decorrente dos chamados amortizadores automáticos (subsídios de desemprego, por exemplo) e à diminuição das receitas de impostos resultante da quebra da atividade económica, vão criar enormes buracos orçamentais.

Porque é que a resposta à crise deve ser coletiva?

Os governos precisarão de avultadas somas para financiar os défices, isto é, precisarão de se endividar em larga escala. Para os governos já muito endividados (como a Grécia, Itália, Bélgica, França, Espanha ou Portugal, para só referir aqueles cujo peso da dívida ultrapassa 100% do PIB) isso representa, no melhor dos cenários, ficar à mercê da confiança que os mercados financeiros depositam na capacidade de cada um destes países honrar o serviço da dívida emitida. Como é evidente, um país mais endividado tem uma maior probabilidade de não cumprimento do que um país menos endividado e, portanto, só poderá endividar-se pagando juros mais elevados. Num cenário menos favorável, pode significar a exposição destes países à tomada de posições financeiras especulativas, através do mercado de derivados, por quem nem sequer empresta, mas aposta na incapacidade destes países de cumprirem o serviço da dívida, o que, por si só, virá agravar as condições desse financiamento. Num cenário ainda mais pessimista, pode mesmo significar a recusa dos mercados em financiar estes países, como aconteceu a vários países europeus em 2010-2014.

Acrescentar uma crise financeira a uma crise sanitária e a uma crise económica não é claramente a melhor das estratégias.

O passado recente da crise europeia das dívidas soberanas fez sentir, aos países que tiveram de se endividar, o elevado custo do endividamento nestas circunstâncias. Mas a crise deixou igualmente claro, à Europa no seu todo, que a ausência de uma resposta coletiva tem associado o risco da não sobrevivência do próprio euro (como se temeu em 2011, 2012) e o risco do fortalecimento de movimentos xenófobos e antieuropeus, com o indissociável aumento da pressão desagregacionista.

Porque é que a mutualização da dívida é necessária?

A mutualização da dívida significa que a garantia do pagamento da dívida a emitir para responder à crise deixa de ser nacional para passar a ser coletiva. Permite, assim, que os empréstimos públicos necessários para fazer face à crise sanitária e económica que toca a todos os países de forma equivalente, sejam também eles obtidos com as mesmas condições de mercado, às mesmas taxas de juro, sejam estes empréstimos contraídos pelo governo italiano, espanhol ou holandês. E se a emissão de obrigações europeias (eurobonds ou coronabonds) se tornou politicamente impossível de consensualizar, reinventem-se os instrumentos financeiros, inventem-se novas formas de mutualizar a tão necessária emissão de dívida. A necessidade aguça o engenho e a inovação financeira, sempre pródiga nos mercados financeiros, pode também servir uma causa europeia.

A reduzida dimensão do orçamento europeu e a capacidade financeira limitada do Banco Europeu de Investimentos e do Mecanismo Europeu de Estabilidade, agravada pela condicionalidade dos empréstimos concedidos por este último, limitam a viabilidade de outras alternativas.

Resta sempre o BCE, que, no espaço possível delimitado pelo Tratado que impossibilita o financiamento direto dos Estados, avançou com medidas importantes para facilitar o financiamento da economia. Algumas merecem destaque, como fazer depender o custo do financiamento dos bancos do montante de financiamento por estes concedido à economia ou o anúncio da compra de dívida pública e privada num montante equivalente a cerca de 7,3% do PIB gerado na zona euro. O reforço da política de quatitative easing anunciada parece, por ora, ter acalmado os mercados. Mas a resposta não poderá ser só monetária.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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