Cerca de 1200 presos serão libertados por perdão parcial de penas proposto pelo Governo

A “medida melindrosa” que o Governo quer ver aprovada pela Assembleia da República para aliviar a pressão de um eventual contágio pelo novo coronavírus nos estabelecimentos prisionais pode levar à libertação de 1200 presos, disse a ministra da Justiça.

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A ministra reconheceu tratar-se de uma medida “melindrosa” Nuno Ferreira Santos

“Temos uma população prisional a rondar os 12.700 e serão cerca de 10%”, explicou a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, numa entrevista à RTP nesta quinta-feira, horas depois de o primeiro-ministro ter anunciado a decisão que será agora submetida à Assembleia da República.

A medida para prevenir um contágio em larga escala no espaço fechado das prisões, passa por reduzir o número de presos por duas vias: agilizar os processos de indultos concedidos pelo Presidente da República; e conceder um perdão parcial de penas de prisão até dois anos ou das penas de presos que estejam já no cumprimento dos últimos dois anos.

De um perdão ficam excluídas todas as penas por crimes de homicídio, abusos sexuais, violação, violência doméstica, associação criminosa ou crimes praticados por titulares de cargos políticos e públicos – incluindo Forças Armadas e forças policiais – em exercício de funções.

A ministra reconheceu tratar-se de uma medida “melindrosa” que teria de levar em consideração “a protecção das vítimas e o sentimento de segurança da população.”

E justificou: “Por isso é que na definição destas medidas nós tivemos a preocupação de encontrar modelos que acompanham aquilo que foi proposto pelas Nações Unidas de retirar as pessoas mais frágeis e também pessoas que tenham praticado crimes de baixa danosidade, ou que tendo ido a casa e regressado à prisão [nas saídas precárias os presos voltam por iniciativa própria] poderem ir passar este período a casa.”

Van Dunem referia-se ao apelo da alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, que na semana passada apelou a todos os Estados-membros a considerarem a libertação de presos fossem eles presos políticos ou de delito comum.
 
Em Portugal, as medidas neste âmbito anunciadas por António Costa prevêem também uma alteração do regime de licenças precárias em que os habituais três dias serão substituídos por 45 dias. Esgotados esses 45 dias, os juízes de execução de penas podem antecipar a liberdade condicional.

Todos os abrangidos por esta flexibilização do cumprimento das penas têm a obrigatoriedade de permanecer em confinamento domiciliário como toda a população.
 
Numa reacção, o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia mostrou-se indignado com a possibilidade de haver “indultos a criminosos” por causa da pandemia. “Diria que é inconstitucional, pois os indultos são medidas definitivas e o estado de emergência apenas permite tomar medidas provisórias, porque de uma situação provisória se trata”, afirmou ao PÚBLICO.

“O poder de indulto é um poder excepcional previsto na Constituição que tem sido cada vez menos usado, porque tem deixado de fazer sentido. Não se deve recorrer a ele para aliviar as prisões por causa do novo coronavírus, quando há outras alternativas para esse objectivo”, defende o professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa.

Transferir os reclusos para outras instalações, para libertar espaço, ou permitir que os juízes de execução de penas apliquem medidas como a prisão domiciliária, a pulseira electrónica ou o regime aberto – como aliás está previsto no decreto presidencial – são as alternativas que o constitucionalista recomenda. “Mas não mexer com decisões judiciais transitadas em julgado”, defende.

Outra crítica de Bacelar Gouveia é o facto de as medidas na área das prisões se aplicar apenas a condenados, excluindo quem está em prisão preventiva. “Porquê? Não terão direito às mesmas condições?”, questiona. 
Para o constitucionalista e deputado do PS Bacelar Vasconcelos, se estas medidas pecarem é por tardias. “Destinam-se a prevenir uma catástrofe humanitária”, observa.

Na sua opinião, o raciocínio de que quem está confinado não é infectado não faz qualquer sentido, como o demonstra o elevado número de casos que surgiram nos lares: “O risco é exponencial, uma vez que há cadeias sobrelotadas e nas celas não é possível cumprir o distanciamento social recomendado”. Os reclusos não estão protegidos porque, como nos lares, contactam com o exterior através dos funcionários que entram e saem diariamente, compara.

“Trata-se de uma medida perfeitamente adequada, razoável e sensata”, avalia o socialista. “Há agora que fazer uma triagem caso a caso, para ver quem pode sair. Porque reclusos somos, afinal, todos nós”. com Leonete Botelho e Ana Henriques

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