Covid-19: polícia grega multa dois grupos de refugiados em 5000 euros

O Governo grego suspendeu os apoios financeiros que recebia da União Europeia e do Alto Comissariado das Nações Unidas para ajudar os requerentes de asilo. Há pelo menos 20 pessoas infectadas por coronavírus num campo de refugiados nos arredores de Atenas.

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As organizações humanitárias têm avisado que as péssimas condições de higiene e saneamento facilitam o contágio de coronavírus ALKIS KONSTANTINIDIS/Reuters

A polícia da ilha de Quios multou doigrupos de refugiados em cinco mil euros por violarem as regras de distanciamento social, enquanto num outro campo, em Atenas, foram detectadas 20 infecções. 

Os dois grupos de refugiados estavam a comemorar os aniversários de duas crianças no exterior do campo em Quios, onde vivem 5500 pessoas para uma capacidade de mil, quando foram abordados pela polícia. Foram multados em cinco mil euros e provavelmente não terão como pagar, dado que muitos dos refugiados, que estão há vários meses nos campos, já gastaram muitas das suas poupanças e não conseguem arranjar emprego num país ainda dilacerado pela crise económico-financeira e onde o racismo se tem feito sentir.

O Governo grego suspendeu os apoios financeiros aos refugiados que recebia da União Europeia e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados que apoiavam os requerentes de asilo.

O Governo grego, chefiado pelo conservador Kyriakos Mitsotakis, anunciou no início de Março a suspensão do apoio financeiro mensal aos refugiados que viram o seu pedido de asilo aceite, argumentando que agora terão de trabalhar.

“O nosso país vai, dentro de 30 dias, parar de providenciar alojamento e mesadas aos requerentes de asilo. Vão ter de trabalhar como toda a gente para viverem. Isto faz do nosso país um destino menos atractivo para os fluxos migratórios”, disse no início de Março o ministro grego para a Migração e Asilo, Notis Mitarachi.

O Estado grego não tem condições para albergar os refugiados em alojamentos públicos para além dos campos, criticados por várias organizações de direitos humanos como atentatórios à dignidade humana, e as mesadas que recebem não provêm directamente do Estado grego, mas da União Europeia e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.

Cada requerente de asilo recebe um valor consoante o local onde está alojado e o seu agregado familiar. Mas um refugiado que chegue sozinho e peça asilo na Grécia pode receber uns meros 150 euros mensais, dados em cartão pelo ACNUR. Terá de gerir as suas necessidades por um mês com esse valor, quando, por exemplo, o preço de aluguer de um quarto facilmente ultrapassa os 300 euros mensais. 

Esta suspensão está a ser encarada como mais uma medida de punição dos refugiados que já vivem em condições duríssimas nos campos espalhados por todo o país e o Syriza de Alexis Tsipras acusou o executivo de querer agradar ao seu eleitorado de extrema-direita. 

Na última campanha eleitoral, em Julho, Mitsotakis fez dos fluxos migratórios um dos principais temas de campanha, prometendo pôr-lhes fim e deportar todos os refugiados, e nos últimos meses tem sido acusado, em conjunto com alguns dos seus ministros, de demonizar quem foge da guerra e da miséria. Chegou inclusive a suspender os pedidos de asilo, algo que as Nações Unidas consideraram ilegal, e esta quinta-feira o ministro das Migrações e de Asilo anunciou que a suspensão foi levantada. 

Coronavírus chega a Ritsona

As organizações humanitárias e de direitos humanos avisaram que era apenas uma questão de tempo, dadas as condições de higiene e de sobrelotação, que o coronavírus chegasse aos campos de refugiados na Grécia. Falou-se inclusive numa “tempestade perfeita", e assim foi: soube-se esta quinta-feira que 20 pessoas estão infectadas no campo de Ritsona, nos arredores de Atenas.

As infecções foram detectadas depois de uma mulher refugiada dar à luz num hospital e ser testada para covid-19. As autoridades gregas fizeram então mais de seis dezenas de testes a pessoas com quem esteve em contacto e descobriu uma cadeia de transmissão com escala significativa. O campo foi posto em isolamento e os seus residentes recebem alimentos e kits de higiene em cestas, evitando-se o contacto social com o exterior. 

“Os refugiados dos campos estão num elevado risco de adquirirem doenças infecciosas devido à sobrelotação e as fracas condições de higiene e saneamento”, disse à Al-Jazeera Kayvan Bozorgmehr, professor da Escola de Saúde Pública da Universidade de Bielefeld, na Alemanha. “É muito provável que os refugiados venham a ficar infectados com o vírus. Uma propagação descontrolada no contexto dos campos pode levar a um desastre sanitário por as medidas de quarentena e distanciamento social serem impossíveis”. 

As autoridades gregas já tinham anunciado uma série de medidas para os campos, como a restrição das saídas dos campos e um recolher obrigatório para quem neles vive, mas não parecem ser suficientes para travar o coronavírus. A sobrelotação é o grande aliado do vírus, pois há mais de 40 mil refugiados em campos e no de Moria, na ilha de Lesbos, vivem 19 mil pessoas quando apenas tem capacidade para três mil. O distanciamento social, referido como a grande arma contra a pandemia, é por isso impossível.

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