O estado de emergência sem emergência

Entre o decreto de estado de emergência e as medidas aprovadas em Conselho de Ministros parece haver incoerência. Mas não há. Pelo contrário, ambas se conjugam num diálogo virtuoso.

O bloco central entre palácios (de São Bento e de Belém), na feliz expressão do sociólogo Pedro Adão e Silva, está bem e recomenda-se. Num delicado jogo de equilíbrios digno dos melhores dias da “geringonça”, o Presidente, que defendia a declaração do estado de emergência, satisfez a sua vontade e o primeiro-ministro, que não a queria para já, também. Ou seja, o decreto de estado de emergência está aprovado mas as medidas anunciadas esta quinta-feira para o concretizar “não põem termo à normalidade”, como reconheceu António Costa. Com excepção do fecho de lojas não estratégicas para a vida, a atribuição às forças da autoridade de poderes reforçados para actuar em casos extremos ou a definição de medidas mais restritivas de isolamento e precaução para cidadãos mais idosos ou dos grupos de risco, o país pode acordar amanhã exactamente como acordava há uma semana.

Entre o decreto de estado de emergência e as medidas aprovadas em Conselho de Ministros parece haver incoerência. Mas não há. Pelo contrário, ambas se conjugam num diálogo virtuoso. Expliquemo-nos: face ao comportamento admirável dos cidadãos, que voluntariamente acolheram as recomendações das autoridades sanitárias e cumpriram as exigências do distanciamento social, não há razões para que a imposição de limites severos a liberdades públicas como o da livre circulação fosse exercida. Mas, face ao evoluir imprevisível da pandemia e das suas consequências, faz todo o sentido que, no âmbito da ordem constitucional, o estado e as autoridades possam tomar medidas excepcionais que só são possíveis no quadro de um estado de emergência. Se é legítimo ver neste processo dessintonia e guerra surda, o mais lógico e razoável é ver conjugação de esforços e compromisso.

Esse compromisso que estabelece pontes entre a prioridade na defesa da saúde e da vida dos portugueses e a necessidade de defender até ao limite a respiração da economia faz todo o sentido. Se o combate essencial do presente é travar a expansão do vírus, tem de haver a preocupação de o conciliar com a defesa até ao limite da actividade das empresas e da defesa de postos de trabalho. Restringir a circulação e a aglomeração de pessoas cumpre esse esse balanço de necessidades. Uma proibição total neste momento seria assumir um risco de devastação económica ainda maior. Temos por isso de aceitar a bondade das decisões dos poderes públicos. E de desejar que essas decisões serão suficientes para gerir a terrível crise que nos intimida e angustia. Se para nosso infortúnio for necessário escalar as restrições às nossas liberdades e garantias, teremos sempre oportunidade de as lamentar, aplaudir ou criticar.

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