Quando a esmola é grande o pobre desconfia

A mobilidade de quem vive e trabalha na Área Metropolitana de Lisboa exige para já a prioridade à extensão da rede de Metro a Loures e a Alcântara, bem como a modernização e electrificação da Linha do Oeste.

Em recente artigo de opinião, José Manuel Viegas (JMV) vem em apoio da Linha Circular, apesar de quase a omitir no texto. Utiliza, na sua apresentação, a sugestão da ligação ferroviária entre a Linha de Cintura e a Linha do Oeste.

Defender explicitamente a Linha Circular seria uma tarefa mais difícil, que contradiria os conceitos teóricos que o autor domina, para justificar a prioridade dada a este tipo de linha, dentro do próprio núcleo urbano, pois teria que dar como irrelevante e não prioritário precisamente as linhas de penetração na cidade, afinal aquelas que têm a função de dissuadir que entre na cidade o transporte individual de quem não tem alternativa para os movimentos pendulares para trabalhar ou estudar.

É assim que, para condicionar a exigência da extensão do Metro à cidade de Loures, foi necessário recorrer à inovação, ou talvez não.

Na década de 1990, a CP desenvolveu um programa de modernização das linhas férreas suburbanas da capital, que incluiu a extensão da rede ferroviária através da Ponte 25 de Abril, até ao Fogueteiro, e a quadruplicação da Linha de Cintura até Chelas, em que esteve planeada, a partir deste local, a construção de uma nova linha férrea que se prolongaria até Loures e Malveira.

Esta ligação, de que há registos de ser uma intenção bem mais antiga, manteve-se assim presente nos planos de expansão da rede ferroviária até há pouco mais de 20 anos.

Basta ir ao Terminal Técnico de Chelas e ver as duas linhas, que terminam em dois topos de segurança, que ali foram construídas aquando das referidas obras de quadruplicação da Linha de Cintura. Duas linhas que são o início da via dupla, que ali ficou na posição adequada para sair desniveladamente do interior da Linha de Cintura em direcção ao corredor de Loures e à Linha do Oeste.

Mas já na fase final daquelas obras, o Governo PS de então decidiu o prolongamento da rede do Metro desde o Campo Grande até Odivelas, em detrimento da solução ferroviária, prevista, e já com o arranque preparado na Linha de Cintura. Uma decisão tecnicamente incompreensível então para muitos, que veio alterar o que estava previsto para a estrutura metropolitana de transporte pesado de passageiros em sítio próprio, ocupando um corredor que estava há muito destinado a ser servido por caminho-de-ferro.

Tal opção de subvalorização da rede ferroviária e de contenção da sua expansão na Área Metropolitana de Lisboa (AML) não deixa de ser mais uma das medidas de destruição do transporte ferroviário, como sistema integrado nacional, que encerrou 1250 km de linhas e ramais entre 1985 e 2013, dos quais 860 km nos três governos de Cavaco Silva, pulverizou a CP unificada, criou nela e noutras empresas do sector público de transportes a dívida por desorçamentação, subfinanciamento, juros e swaps, e liberalizou… sempre com a marca de PS/PSD/CDS, que dá estatuto e valoriza.

Após a decisão de suspender o processo de construção da Linha Circular, decidida na Assembleia da República, JMV mobiliza-se em sua defesa, como entusiasta do justamente necessário adensamento da rede ferroviária. Mas, como diz o povo, quando a esmola é grande o pobre desconfia. Ou seja, entre Campo Grande e o Senhor Roubado, para além da linha de Metro que já lá está, são propostas mais duas linhas de transporte pesado para Loures e Malveira. As ligações a Alvito e Marvila embrulham o brinde. Das decisões erradas de há 20 anos chegámos à fantasia destes dias.

No essencial, é agora proposto por JMV que os utentes do corredor de Loures façam dois transbordos para chegar à Avenida de Roma ou à Avenida da República. Um para mudar do modo ferroviário para o modo metropolitano no Senhor Roubado e o outro no Campo Grande, caso se construísse a Linha Circular. Por outro lado, o interface ferro-metro sugerido no Senhor Roubado precisaria de espaço significativo, não apenas para uma estação de passagem, mas para uma estação terminal ferroviária, mesmo que temporária, o que muito provavelmente não terá sido verificado. 

De lembrar que pelo corredor de penetração de Loures entram diariamente em Lisboa cerca de 67 mil veículos, tantos como os que entram pelo corredor de Sintra e um pouco menos que os 80 mil do corredor de Cascais e os 100 mil do corredor da Azambuja, servidos pela rede ferroviária. E, a propósito, importa assinalar que estes serviços ferroviários suburbanos devem ser mantidos na gestão da CP, cujo rumo de destruição e pulverização deve ser revertido, no sentido da sua reconstituição como empresa unificada do sistema ferroviário nacional.

A mobilidade de quem vive e trabalha na AML exige para já a prioridade à extensão da rede de Metro a Loures e a Alcântara, bem como a modernização e electrificação da Linha do Oeste, com o início das obras, que tarda, entre Meleças e Caldas da Rainha, e o planeamento e estudo de melhor integração desta linha nos sistemas pesados de transportes de passageiros da área metropolitana. Essencialmente, sem ruídos de ocasião como os que decorrem dos quase 300 milhões de euros anuais em Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis em Lisboa e, claro está, da Linha Circular, esta deve ter o destino decidido na Assembleia da República.

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