Aeroporto de Lisboa: haja juízo!

Quando se pensava que a incerteza quanto ao futuro do projeto do Aeroporto do Montijo tinha finalmente terminado, eis que temos assistido, nas últimas semanas, a tomadas de posição contra essa solução por parte de personalidades diversas, desde engenheiros a agentes da área autárquica ou política.

Com a emissão pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), em 21 de janeiro último, da Declaração de Impacto Ambiental do Aeroporto do Montijo, deu-se um passo decisivo para o arranque da obra e assim resolver, de forma relativamente expedita, o problema da saturação do Aeroporto de Lisboa, durante as próximas décadas.

Contudo, quando se pensava que a incerteza quanto ao futuro do projeto tinha finalmente terminado, eis que temos assistido, nas últimas semanas, a tomadas de posição contra essa solução por parte de personalidades diversas, desde engenheiros a agentes da área autárquica ou política.

Primeiro veio um grupo de engenheiros apresentar uma alternativa, uma solução “Alverca+Portela”, que prevê um grande aeroporto em Alverca, sendo o da Portela transformado num aeroporto complementar. Contudo, com as reconhecidas dificuldades técnicas e ambientais, e o elevado custo de um Aeroporto em Alverca, em pleno Tejo, essa ideia não faz sentido. As considerações que tecem em sua defesa, num artigo publicado na edição de 9 de março deste jornal, em resposta às críticas que fiz a essa solução num artigo publicado na edição de 24 de fevereiro, além de distorcerem o que é dito nesse artigo, não demonstram que essas críticas não são pertinentes. 

Mais preocupantes são as movimentações em curso por parte de alguns autarcas da margem sul do Tejo, com o apoio de partidos da oposição, como o PCP e o BE, a criticar o Aeroporto do Montijo, e defendendo uma alternativa no Campo de Tiro (CT) de Alcochete, para o qual, dizem, existe já uma Declaração de Impacte Ambiental, emitida em 2010.

É fundamental esclarecer que a Declaração de Impacte Ambiental emitida para um Aeroporto no CT de Alcochete, cuja validade está a caducar (dez anos), não cumpre os requisitos de uma avaliação ambiental como se exige atualmente, como a que foi realizada para o Aeroporto do Montijo.

De facto, convém lembrar que, tal como havia acontecido no estudo comparativo de localizações do Novo Aeroporto (NAL) entre o CT de Alcochete e a Ota, concluído em janeiro de 2008, a avaliação ambiental realizada para o CT de Alcochete incidiu apenas no local de implantação do aeroporto, não tendo tido em conta aspetos essenciais, como as acessibilidades.

Aliás, ciente dessa lacuna, ainda em janeiro desse ano, o Governo de então, chefiado por José Sócrates, encomendou ao LNEC um estudo comparativo de travessias do Tejo, tendo sido consideradas duas alternativas: uma travessia Chelas-Barreiro, a qual vinha sendo defendida pelo próprio Governo, e uma travessia Beato-Montijo, preconizada pelos proponentes da localização do aeroporto no CT de Alcochete: a Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) e o seu consultor, a empresa TIS.

Não é preciso ser-se especialista em engenharia, basta olhar para um mapa, para ver que uma travessia Beato-Montijo é muito mais lógica para o acesso a um aeroporto no CT de Alcochete do que uma travessia Chelas-Barreiro. Que fique claro: uma travessia Chelas-Barreiro não serve para o acesso a um aeroporto no CT de Alcochete!

Constituiu, assim, um autêntico escândalo o anúncio feito no início de abril do mesmo ano de 2008, de que o LNEC recomendava a solução Chelas-Barreiro para a travessia do Tejo, o que, para muitos, pôs mesmo em causa a credibilidade do próprio LNEC, levando a que este jornal, no seu editorial de 7 de abril de 2008, tivesse titulado: “A queda de um grande laboratório Português: o caso do LNEC”. Era nessa altura presidente do LNEC o engenheiro Matias Ramos, que era até então um acérrimo defensor da Ota e curiosamente passou a ser um dos rostos mais visíveis na defesa de um NAL no CT de Alcochete.

Contudo, conforme é sabido, com a sua irresponsável governação (que pôs o Estado à beira da bancarrota), em abril de 2011 José Sócrates viu-se obrigado a pedir à troika um empréstimo de 78 mil milhões de euros (cerca de 50% do PIB na altura), o que fez disparar a dívida pública e o encargo anual com juros. Para se ter uma ideia dos seus efeitos, comparativamente com o que se pagava habitualmente, desde essa altura até agora o Estado pagou a mais de juros cerca de 36 mil milhões de euros. E este constrangimento vai perdurar, pelo menos durante as duas próximas décadas.

As consequências para o país foram ainda mais devastadoras. Para além de termos sido sujeitos a um pesado programa de austeridade, que a todos afetou durante os três anos seguintes, o Estado foi obrigado a parar os grandes empreendimentos em curso (ou em preparação), como o NAL e a rede de TGV, bem como a vender as suas participações em grandes empresas (algumas delas estratégicas), como a REN, os CTT ou a ANA.

Com esta alteração de circunstâncias, o Plano Estratégico de Transportes (PET), aprovado no final de 2011 (Governo PSD/CDS), assumiu a revisão dos pressupostos que tinham servido de base à decisão da construção do NAL, preconizando uma estratégia de ampliação da capacidade aeroportuária de Lisboa, através da maximização da capacidade do Aeroporto da Portela e a análise da conversão de infraestruturas aeroportuárias existentes nesta zona, para acomodar tráfego civil.

No final de 2012 foi então celebrado o Contrato de Concessão entre o Estado e a ANA (que passou a ter o estatuto de empresa privada e a ser a concessionária de todos os aeroportos nacionais por um período de 50 anos): o Aeroporto da Portela seria mantido e a sua capacidade reforçada através da criação de um aeroporto complementar, a instalar num dos aeródromos da região de Lisboa. Foram estudadas várias localizações, tendo a “Equipa de Missão” encarregue do estudo concluído que a melhor opção seria a Base Aérea n.º 6, no Montijo.

Entretanto, foi desenvolvido o processo de privatização da ANA, concluído no final de 2013, com a venda, em concurso público, ao Grupo Vinci, por mais de três mil milhões de euros.

No início de 2017, já no Governo PS (viabilizado com o apoio do PCP e do BE), foi acordado com a ANA um “Memorando de Entendimento” com vista à concretização do Aeroporto do Montijo, o qual contemplava também a obrigação de a ANA realizar obras no Aeroporto da Portela, de modo a melhorar a sua capacidade e funcionalidade.

Os acontecimentos mais recentes são bem conhecidos: no início de 2019 foram apresentados os planos da ANA (acordados com o Governo) para a solução “Portela+Montijo”: um aumento da capacidade aeroportuária de Lisboa para os 45 milhões de passageiros anuais, com um investimento de cerca de 1100 milhões de euros, totalmente a cargo da ANA, portanto sem pesar no Orçamento do Estado ou no pacote de fundos europeus atribuídos ao país.

Conforme é sabido, um Aeroporto no CT de Alcochete teria um custo da ordem de cinco mil milhões de euros, além da necessidade da construção de uma nova travessia do Tejo, com um custo de cerca de dois mil milhões de euros, ou seja, um encargo global da ordem de sete mil milhões de euros.

Como é óbvio, o Grupo Vinci (dono da ANA) não deverá estar interessado nessa solução e o Contrato de Concessão não tem maneira de o obrigar, pelo que, para que o aeroporto no CT de Alcochete pudesse avançar, o Estado teria que recomprar a ANA.

Ora, com o que já foi pago pela compra da empresa e as mais-valias entretanto geradas, essa reversão iria custar ao Estado nunca menos de cinco mil milhões de euros. Isto é, para haver um aeroporto no CT de Alcochete em vez do Montijo, o Estado (nós, os contribuintes) teria que desembolsar mais de 12 mil milhões de euros.

Seria isto sensato? Claro que não; haja juízo!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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