A solução aeroportuária de Lisboa: do Contrato de Concessão à situação atual

Tenho solicitado repetidamente os estudos e projetos que sustentam as afirmações do Governo e da ANA/Vinci que pretendem justificar técnica e economicamente a solução Montijo. Nunca os recebi.

Num artigo recentemente publicado pelo jornal PÚBLICO, o senhor secretário de Estado adjunto e das Comunicações (SEAC) escreveu, e passo a citar: “À nossa geração, agora, cabe a responsabilidade e o risco de fazer. E a ousadia de fazermos bem. Com os melhores dados da ciência e da técnica.” Muito gostaria que assim fosse, mas não tem sido. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e a posterior e consequente Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) são um exemplo bem demonstrativo da deficiente utilização dos dados da ciência e da técnica.

Em relação à AIA, que contém omissões importantes, identificadas em documentos apresentados no âmbito da Consulta Pública, a simples afirmação do Governo de que não havia “plano B" feriu de morte a credibilização de todo o processo. Cito apenas a componente das aves. Num artigo do PÚBLICO de 20 de fevereiro, um investigador da Universidade de Aveiro rebate as afirmações de bem fazer, salientando que estudos científicos comprovam que as aves limícolas que frequentam o estuário do Tejo, estimadas em cerca de 200.000, são extremamente fiéis aos locais que usam diariamente. Esta abordagem põe em causa a proposta do EIA que apresenta como solução a deslocalização dessas aves para zonas marcadas. Quais são os exemplos com sucesso na aplicação desta metodologia? O EIA, ao referir a escassez de dados de campo, justifica a não apresentação da análise de risco de colisão de aves com aeronaves. Propõe o desenvolvimento de estudos por um período de pelo menos um ano. Passado um ano é que esse estudo será conclusivo? E se for desfavorável, as obras param e a solução Montijo é abandonada? Quem suporta os custos desta eventual situação? O Estado? O operador aeroportuário?

Porque a saúde e bem-estar das pessoas devem estar no centro da decisão, salienta-se que na localização do aeroporto no Montijo afetará, com níveis de ruído superiores aos legais, cerca de 30.000 a 35.000 habitantes, enquanto no Campo de Tiro de Alcochete (CTA) esse valor será da ordem de 400. Este aspeto não é determinante?

Quanto à afirmação: “O Governo não destrata opiniões diversas” e “aceita o debate público, mesmo quando as críticas são desinformadas ou tributárias de visões enviesadas de radicalismos e utopias muito pró neo-naturalismos”, gostaria que assim fosse, mas infelizmente não tem sido. O Governo tem evitado o confronto direto ou a resposta aos documentos que, de forma construtiva e tecnicamente fundamentada, lhe são enviados e que rebatem os argumentos que utiliza. Tem-se assistido a afirmações baseadas em “homilias”, onde o debate é impossível, por razões protocolares, ou porque são proferidas em sessões só para convidados.

Tenho solicitado repetidamente os estudos e projetos que sustentam as afirmações do Governo e da ANA/Vinci que pretendem justificar técnica e economicamente a solução Montijo. Nunca os recebi, nem foram remetidos para a Plataforma, apesar de solicitados. As opiniões diversas não são destratadas?

Um problema fulcral e “esquecido” tem a ver com a longevidade da solução Portela+Montijo. Reafirmamos, com base na aplicação de metodologias consolidadas, que esta solução tem a crónica de saturação anunciada para meados da década de 30. Teremos então o Portela+2? Quanto tempo vai durar o Montijo que, no mínimo, poderá estar em operação em 2024/2025, embora tenha sido sempre referido 2022?

Sobre a não existência de projeto alternativo e a consequente urgência: como é que se justificam estas afirmações, sabendo-se que a ANA dispõe, desde 2010, de um projeto do aeroporto no CTA com DIA aprovada e válida até 9 de dezembro de 2020? Projeto que permite a sua construção faseada, o diferimento de investimentos e a progressiva desativação do aeroporto da Portela. Como se justificam as afirmações de urgência e não haver alternativa?

Desde 2016, com base em diversos artigos e conferências, tenho evidenciado as incorreções apresentadas para justificação de vantagem de custo e de tempo de construção do aeroporto no Montijo. Nunca foram disponibilizados pelo Governo e pela ANA/Vinci argumentos objetivos demonstrativos dessa vantagem em relação à opção por uma solução de construção no CTA (1.ª fase).

A solução Portela+Montijo perpetua o aeroporto no centro de Lisboa, à revelia das afirmações do senhor primeiro-ministro que em 2008, enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa, referiu: “Não há nenhuma cidade que tenha o aeroporto no centro”, sublinhando que “400 voos por dia são um fator de poluição gravíssimo para a cidade”. Neste momento são, em média, mais de 700 voos diários, passando a 850 em 2030 (com base no relatório do Eurocontrol de 2016). Está-se assim perante um agravamento contínuo da situação em Lisboa e não a caminho da sua resolução.

No Montijo só é possível a sua utilização comercial, mesmo com as alterações previstas no aumento do seu comprimento em 390 m (cerca de quatro campos de futebol), por aviões até à Classe C. Após este aumento ficará com 2587 m de comprimento e não com os 3000 m referidos no artigo do senhor secretário de Estado. Não poderá receber, por exemplo, os Boeing 737/800. A Ryanair, uma low-cost, possui este tipo de aeronaves.

Sugiro, designadamente a quem se tem pronunciado a favor da solução no aeroporto no Montijo, a leitura do Contrato de Concessão assinado em 14 de dezembro de 2012, e em particular do Capítulo XI, com destaque para o Artigo 42.1, que transcrevo: “A Concessionária deve envidar os melhores esforços para maximizar a capacidade operacional das Infraestruturas Aeroportuárias do Aeroporto da Portela até à abertura do NAL.” O NAL corresponde à localização no CTA. Perante esta obrigação contratual, qual a razão dos dois Memorandos de Entendimento que são alterações ao contrato e que conduziram à solução Portela+Montijo? Quais as “falhas” do contrato que justificaram a afirmação do sr. ministro das Infraestruturas e da Habitação de que “a privatização da ANA foi um péssimo negócio para o Estado, tendo sido a mais danosa para o interesse público”? Do ponto de vista técnico-económico, a solução Portela+Montijo é desfavorável. Será uma razão financeira?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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