Coronavírus: o medo é pior do que o vírus

Logo a seguir, vem a ignorância. A única forma sã de lidar com o problema é assumir que o vírus chegou a Portugal e que temos de aprender a lidar com ele.

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LUSA/MATTEO BAZZI

Na terça-feira de Carnaval convidei-me para ir jantar a casa de uns amigos (quem tem amigos, tem tudo) e a resposta do lado de lá foi algo deste género: “Oh pá, podes vir, mas temos aqui uma situação: a namorada do meu filho chegou há dias de Roma e também esteve em Milão, aqui em casa estamos todos em ‘contagem decrescente’. Vem por tua conta e risco”. 

Aqui está: o medo, essa coisa primária e altamente contagiosa que não poupa famílias instruídas e bem informadas. Mas o que eu tinha era fome e lá fui. Escusado será dizer que a conversa à mesa foi precisamente sobre a histeria que se vive em torno do SARS-CoV-2 — é este o nome do vírus, covid-19 é a doença que ele provoca.

“Histeria” não é um substantivo exagerado. Nas últimas semanas a cadeia de acontecimentos precipitou-se, vários países europeus começaram a registar os primeiros casos positivos, o período de incubação da doença é muito longo — pode chegar aos 21 dias, além das evidências de contágio a partir de doentes assintomáticos —, os aviões não param quietos no chão e por isso ficámos mais perto de ver o novo coronavírus atravessar a fronteira, como se isso fosse o derradeiro indicador da desgraça. Não é.

Acho que chegou a hora de assumir uma coisa: o SARS-CoV-2 já anda por aí e por isso temos de pensar para a frente, no que devemos ou não fazer para minorar as consequências do inevitável.

Um bom começo para abordar isto é, por um lado, olhar para o que nos dizem os números e, por outro, compreender a verdadeira dimensão dos riscos.

O que dizem os números

Não se sabe muito sobre o novo coronavírus, mas as quase três mil mortes registadas até à data permitem determinar o seguinte: a taxa de mortalidade em crianças até aos nove anos é de 0% (zero por cento); dos 10 aos 39 anos, 0,2%; dos 40 aos 49 anos, 0,4%; e a partir dos 80 anos, 14,8%.

Também já se sabe que a mortalidade é mais elevada naqueles que têm patologia prévia: cancro (5,6%), hipertensão (6%), doenças respiratórias crónicas (6,3%), diabetes (7,3%) e doenças cardiovasculares (10,5%).

Não quero com isto dizer que não nos devemos preocupar, pelo contrário. Actualmente fixada em 2% — muito abaixo de outros coronavírus como a SARS (9,5%) e a MERS (34,5%) — a taxa de mortalidade da covid-19 é bastante superior à da gripe — 0,05% nos países desenvolvidos, a que corresponde entre 290 mil e 650 mil mortes por ano

O potencial infeccioso do novo coronavírus ainda está por esclarecer e isso justifica todas as precauções, mas, contas feitas, importa sublinhar o seguinte: é muito pouco provável que uma criança ou adulto saudável morra desta infecção.

O risco está na incerteza

São vários os factores que levam as autoridades de todos os países a tomarem precauções. Nos países desenvolvidos, além do número potencial de mortes, está a sobrecarga dos sistemas nacionais de saúde — está bem documentado o número de idas desnecessárias às urgências dos hospitais portugueses (mais de dois milhões por ano), que será seguramente inflacionado pela covid-19.

Contudo, há um outro receio de que se fala menos e que é a chegada (inevitável) aos países pobres, onde a salubridade é baixa ou inexistente e onde os sistemas de saúde são ineficientes. A chegada do SARS-CoV-2 ao continente africano e a vários países asiáticos pode ter efeitos preocupantes, apesar de alguns indicadores sugerirem que o coronavírus não se dá bem com o calor associado a baixa humidade.

Mas também isso pode mudar. Um dos principais receios dos epidemiologistas — e que reforça a necessidade de medidas de contenção — é a absoluta imprevisibilidade da evolução genética do vírus. Por outra palavras, quanto maior o número de pessoas infectadas, mais elevada é a probabilidade de ocorrerem mutações que tornem este SARS mais contagioso e/ou mortífero.

A incerteza gera o medo

A informação é crucial para determinar a evolução da pandemia (a ONU ainda não lhe chama isso, mas deverá ser por uma questão de dias) e, sobretudo, para controlar o pânico. Neste particular, muita da responsabilidade tem de ser imputada à comunicação social, que explora o tema ad nauseam, gerando um efeito dominó com tradução em todos os domínios: empresas a suspender ou a condicionar a produção e com elas bolsas de valores a cair, já se mede em biliões o prejuízo.

Outro efeito, mais perverso, é o da incompetência. A informação é fundamental para ajudar a combater as manifestações de ignorância (e xenofobia, nalguns casos) perante a comunidade imigrante, nomeadamente a chinesa.

Proteger os nossos velhos e doentes deve ser a prioridade nesta pandemia. Devemos assumir medidas para mitigar o contágio, como lavar as mãos com frequência (é a acção preventiva mais eficaz), fazer um esforço consciente para não mexer na cara (olhos, nariz e boca) e, muito importante, em caso de suspeita de infecção, não ir a correr para o hospital — utiliza a linha Saúde 24 — 808 24 24 24. Contas feitas, vamos ter de nos habituar a lidar com a covid-19 como uma “nova gripe”.

De resto, e caso não te enquadres nos grupos de risco, faz por manter uma vida normal. Mantém-te atento e informado junto de fontes credíveis. É importante não acreditar em tudo o que ouves, em particular nas conversas de café e nos disparates que aparecem constantemente nas redes sociais — não, a cocaína não cura o coronavírus. A desinformação e o pânico podem bem vir a ser a nossa maior doença.​

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