E se a solução passar por nos adaptarmos ao novo vírus?

Os cientistas já iniciaram o debate sobre a possibilidade de termos de aprender a viver com o vírus em vez de o tentarmos travar. Será que todas as medidas adoptadas só vão servir para adiar o inevitável?

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ABEDIN TAHERKENAREH/EPA

Dia após dia, as notícias trazem os novos casos de infecção pelo vírus SARS-CoV-2 confirmados em todo o mundo e lembram que a lista de mortes também não pára de aumentar. Mas, enquanto isso, ganha também força a discussão entre os especialistas sobre a possibilidade de termos de (mais dia, menos dia) nos adaptar a esta nova realidade e aprender a viver com o novo coronavírus. Tal como acontece com a gripe sazonal, os próximos Invernos podem vir a incluir a Covid-19 como uma doença comum da época?

Tal como o próprio vírus parece estar a fazer o seu caminho, a discussão sobre este problema internacional de saúde pública parece ter chegado ao ponto em que os cientistas e especialistas começam a questionar se será possível travar o novo coronavírus. “Você provavelmente vai ter o coronavírus” é o título de um longo artigo publicado esta semana na revista The Atlantic onde se avança com a hipótese de a “época das constipações e gripe poder tornar-se a época das constipações, gripe e Covid-19”. O epidemiologista Marc Lipsitch, da Universidade de Harvard, nos EUA, é um dos especialistas citados na notícia e, entre outras ideias, defende que “o mais provável desfecho [desta epidemia] é que isto não seja algo possível de conter”.

A epidemia que já chegou a mais de 40 países deverá em breve ganhar oficialmente a dimensão de uma pandemia, acreditam vários especialistas Embora não use (ainda) a palavra “pandemia”, também a Organização Mundial da Saúde já fala em “epidemia em várias partes do mundo” que é basicamente o mesmo que pandemia. Marc Lipsitch estima que no próximo ano entre 40 a 70% das pessoas no mundo serão infectadas pelo vírus que causa a Covid-19. Então é caso para entrar em pânico? Não. Aliás, há cada vez mais especialistas a defender precisamente o contrário. No artigo da revista The Atlantic os especialistas consideram que o novo coronavírus pode vir a entrar na rotina dos nossos Invernos e até, quem sabe, vir a ter uma vacina como existe para a gripe sazonal que mude todos os anos para responder às mutações do vírus e que ultrapasse o facto de muitas pessoas não serem capazes de desenvolver uma imunidade duradoura após uma infecção.

“O coronavírus parece imparável – O que é que o mundo deve fazer agora?” é o título de um outro artigo publicado esta terça-feira no site da revista Science. Recordando os cálculos apresentados por um grupo de trabalho do Imperial College de Londres, refere-se ali que os investigadores estimam que cerca de dois terços dos casos exportados da China ainda não foram sequer detectados. Christopher Dye, um epidemiologista da Universidade de Oxford, no Reino Unido, assume estar pessimista e, citado no artigo da Science, considera que já é altura de repensar a resposta da saúde pública a este problema. “A luta agora deve ser para mitigar, manter o sistema de saúde a funcionar e não entrar em pânico”, acrescenta Alessandro Vespignani, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Northeastern, nos EUA. “Há um leque de possíveis resultados que vai desde o equivalente a uma má época de gripe até algo um pouco pior do que isso.”

Manter as fronteiras abertas

De facto, os esforços para conter o surto que começou na China em Dezembro são mais do que evidentes em vários países por todo o mundo. Há vigilância nos aeroportos, as fronteiras estão abertas mas há já alguns relatos de problemas de abastecimento de bens e serviços em algumas regiões afectadas pelo surto na China e mesmo na Europa. Por várias razões, muitos cientistas querem manter as fronteiras abertas e desaconselham um aumento das restrições nas viagens, defendendo uma melhor utilização dos recursos. Para quê investir tanto tempo e recursos para impedir que uma pessoa infectada entre no país se aquele país já tem vários casos confirmados da doença? Podemos estar só a adiar o inevitável.

Mas, por outro lado, também podemos estar a dar tempo para que a ciência encontre algum tipo de resposta. Se pudéssemos escolher entre ter agora uma infecção por este coronavírus e ser infectado só daqui a seis meses, quando os cientistas já podem ter encontrado algum tipo de resposta, somos capazes de adivinhar o que a maioria das pessoas escolhia. Marc Lipsitch responde no artigo da Science (onde também é citado) que escolhia a segunda opção, ainda que sublinhe que as restrições nas viagens podem fazer sentido hoje, mas vão deixar de ser uma medida de contenção importante. 

Sobre os avanços nos laboratórios também aqui há duas versões. No lado positivo, assiste-se e aplaude-se uma colaboração a nível internacional nunca antes vista. É difícil acompanhar a produção científica sobre o novo coronavírus com dezenas de artigos publicados todas as semanas e de acesso aberto. A lista de empresas e laboratórios a tentar encontrar uma vacina ou outro tipo de resposta é cada vez mais longa. Mas, por outro lado, há também quem critique um alegado desinteresse das grandes companhias farmacêuticas que hesitam em apostar no longo e oneroso processo das vacinas num momento de emergência que pode deixar de o ser a qualquer momento (como aconteceu com a SARS e a MERS).

Já há algum tempo que os peritos e as autoridades de saúde pública sublinham que este novo coronavírus tem (de acordo com os dados disponíveis) uma taxa de mortalidade de apenas 2%, que está muito abaixo da registada com outros coronavírus como a SARS (9,5%) e a MERS (34,5%). Então o que é que este vírus tem de especial?

Para já, demonstrou ter a capacidade de infectar um número muito mais elevado de pessoas quando comparado com os outros coronavírus. Tal como a gripe sazonal, afecta de forma mais grave os mais idosos e com outras patologias associadas. Depois, além do inconveniente de se tratar de um novo vírus com muita coisa desconhecida para os cientistas, tem ainda a desvantagem de não ter nada de especial. Ou seja, os sintomas da doença (Covid-19) são sobretudo ligeiros e, segundo já sabemos, podem nem sequer chegar a manifestar-se em pessoas infectadas. Uma vez que só estamos a testar casos que são validados como suspeitos (pelos sintomas manifestados ou contacto com pessoas infectadas), quantos casos positivos assintomáticos podem já ter passado ao lado das autoridades de saúde?

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