Anatomia das exportações portuguesas

Apesar da evolução favorável das exportações portuguesas, o certo é que existem alguns aspetos que merecem particular reflexão.

A “velha ortodoxia” da década de 50, liderada pela CEPAL (Comissão Económica para a América Latina e Caraíbas), defendia que o crescimento das economias, em particular o dos países em vias de desenvolvimento (PVD), deveria assentar numa política de substituição de importações. Duas razões presidiram a este modelo. Por um lado, convicções “ideológicas” que defendiam os ideais do “orgulhosamente sós”. Por outro, o denominado “export pessimism”, assente na ideia de que os PVD tinham reduzido potencial para crescer através das exportações.

A elevada correlação entre o crescimento económico e o comércio mundial observado a partir da década de 60 fizeram substituir a “velha ortodoxia” por uma “nova ortodoxia” assente na liberalização do comércio mundial.

Apesar das imperfeições desta “nova ortodoxia”, em particular quando se constata que nem todos os países respeitam as regras, o certo é que este novo quadro tem permitido um crescimento económico mundial consistente, evitando-se, simultaneamente, que se gerem ineficiências na alocação dos recursos internos de cada país, tal como acontece com os modelos de substituição de importações. De igual forma, as exportações têm permitido às economias alargarem as suas possibilidades de consumo, na medida em que asseguram as receitas necessárias para se poder importar. 

Em Portugal, apesar de permanecer, da esquerda à direita, alguns resquícios da “velha ortodoxia”, o certo é que todos são unânimes na promoção das exportações e no alargamento dos mercados externos como instrumento essencial para o sucesso da economia portuguesa.    

Situação atual

Representando em 2010 cerca de 30% do PIB português, as exportações de bens têm apresentado um dinamismo muito favorável, quer na componente de bens, quer na componente de serviços, representando em 2018 cerca de 44,3% do PIB (28,3% na componente de bens e 16% na componente de serviços).

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Com 75,1% das exportações de bens para o mercado interno da UE28, o principal destino das exportações portuguesas continua a ser Espanha (25,4% do total das exportações de bens), seguido de França (12,7%), Alemanha (11,5%) e Reino Unido (6,4%).

A decomposição das exportações, por setor de atividade, revela que em 2018 cerca de 14,3% das exportações de bens correspondem a máquinas e aparelhos, 14,2% a veículos e outro material de transporte e 6,8% a combustíveis minerais.

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No que respeita à empresa constata-se que as 10 maiores empresas exportadoras representaram em 2018 cerca de 21,3% das exportações (19,7% em 2017), o que significa que dos cerca de 57,9 mil milhões de euros exportados em bens pelas empresas portuguesas em 2018 cerca de 12,3 mil milhões de euros são da responsabilidade das 10 principais exportadoras (destaque especial para a Galp com cerca de 7% das exportações totais e a Autoeuropa com 5%).

Sinais de preocupação

Apesar da evolução favorável das exportações portuguesas, o certo é que existem alguns aspetos que merecem particular reflexão.

Em primeiro lugar, apesar do forte crescimento das exportações, quer em valores, quer em termo de peso no PIB, o certo é que Portugal continua na “cauda” da Europa nesta matéria (21º lugar no universo da UE28). De igual forma, o crescimento das exportações não nos permitiu elevar de forma significativa o PIB per capita, sendo que Portugal permanece igualmente no 21º lugar em termos de PIB per capita.

Em segundo lugar, destaca-se a dificuldade das exportações portuguesas ganharem quota no mercado mundial. Com efeito, se em 2004 as exportações portuguesas representavam 0,55% das exportações mundiais, em 2018 esse valor era de apenas 0,48%.

De igual forma, o grau de concentração das exportações portuguesas, quer em termos de geografia, quer em termos de produto, quer ainda em termos de empresa, apresenta-se relativamente elevado, situação que, a médio prazo, poderá ser preocupante. Na realidade, com cerca de 31,8% das exportações concentradas em Espanha e Reino Unido, as exportações portuguesas estão sujeitas a riscos políticos e económicos bastante elevados.

Adicionalmente, os 21,1% das exportações em veículos e outro material de transporte e combustíveis minerais e os 12% do total de exportações em duas empresas destes setores (Galp e Autoeuropa), colocam, num quadro de mudança de paradigma energético e de mobilidade, preocupações adicionais em relação à performance exportadora. 

Antecipar a mudança

A evolução das exportações portuguesas observada na última década, apesar de muito favorável em termos absolutos, não nos permitiu ganhos relevantes do ponto de vista da quota de mercado mundial, nem tampouco nos assegurou melhorias significativas em termos de riqueza per capita.

Por outro lado, a elevada concentração setorial, empresarial e de mercados de destino da nossa estrutura exportadora, associada baixa intensidade tecnológica da indústria nacional (mais de 40% das indústrias transformadoras nacionais são classificadas em baixa tecnologia e mais de 70% são classificadas em baixa ou média baixa tecnologia), poderão condicionar severamente o futuro das nossas exportações.

Sendo certo que uma resposta adequada por parte das empresas ao “porquê, para onde e como exportar?” se apresenta como condição necessária para o sucesso futuro do setor exportador, também não é menos verdade que num mundo em transformação acelerada esta pode não ser condição suficiente.

Na realidade, de nada nos serve desenharmos a melhor estratégia se não a soubermos implementar rapidamente.

Recorde-se a este propósito o livro “Alice do outro lado do espelho” de Lewis Carroll, (o mesmo que escreveu Alice no País das Maravilhas), no qual a Rainha Vermelha alerta a Alice dizendo-lhe de uma forma lapidar o seguinte: “aqui, como vê, você tem de correr o mais que pode para continuar no mesmo lugar. Se quiser ir a alguma outra parte, tem de correr no mínimo duas vezes mais rápido!”.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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