Esta casa lembra que comida transmontana “não é só alheira de Mirandela e castanha”

É mercearia e com muitos petiscos para provar. A Trazmontes traz ao Porto a memória de um Alto Douro tradicional. E aqui, garante-se, “não há matéria-prima de supermercado”.

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Trazmontes Nelson Garrido
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Trazmontes Nelson Garrido
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Trazmontes Nelson Garrido

Passamos pela Rua do Bonjardim, a um minuto de distância da estação de metro da Trindade, no Porto, e no meio da correria quase nem damos pela nova inquilina. Mas ela está ali, e num dia descontraído somos capazes de reparar nela. Pensamos, se calhar, na Casa Soleiro, cujo sapato gigante pendurado por cima das portas 104 e 106 da Rua Chã, na Sé, chama a atenção para o negócio de solas e cabedais. Neste caso, somos recebidos por Transmontina, o espantalho que veio do Alto Douro para o Porto e se instalou à porta da casa que quer dar a conhecer alguns dos melhores petiscos tradicionais feitos em Trás-os-Montes.

Ângela Ramos e Anabela Guerreiro não são irmãs biológicas mas, garantem, é como se fossem. Ambas com 43 anos, conhecem-se desde o 7.º ano da escola básica e licenciaram-se juntas no Instituto Politécnico de Bragança (IPB), no mesmo distrito onde abriram uma agência de contabilidade, em 2005. A Trazmontes, uma espécie de híbrido de mercearia e cafetaria com traços de restaurante, com um menu “composto por coisas que podem ser provadas na hora ou levadas para casa”, foi inaugurada pelas duas em Dezembro de 2019, com ajuda na gestão da casa por parte de Elza Alves – que trabalhou na agência de Ângela e Anabela até se mudar para o Porto, há pouco mais de um ano. A ideia passa por mostrar que comida transmontana “não é só alheira de Mirandela e castanha”.

Trazmontes - pastel de Chaves Nelson Garrido
Trazmontes - Folhado Tosto do Campo Tosto do Campo
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Trazmontes - pastel de Chaves Nelson Garrido

Depois de tomarmos nota da variedade que marca as prateleiras no átrio de entrada, temos dificuldade em discordar. Mas antes de lançarmos um olhar sobre o menu, é o ambiente que nos prende. Se Anabela conta que “quem vem de Trás-os-Montes sente que está em casa”, não é só por causa dos pastéis de Chaves ou da alheira. E também não é só por causa das paredes de pedra, que sugerem um cenário tipicamente rural.

Quem observa as fotografias a preto e branco que compõem o espaço consegue ver o forte de São Neutel, em Chaves, os carros de bois que trazem o centeio para as eiras ou as mulheres do campo que o separam da palha. São imagens, observa Ângela, de uma agricultura que “não se faz mais”, e que trazem “um pouco do espírito de Trás-os-Montes” para o Porto. Imagens do passado, que lembram o aconchego da casa dos avós”.

Não é de forma inocente que esta observação é feita. O mobiliário da Trazmontes, para além de típico da região do Alto Douro, está profundamente ligado às raízes das suas fundadoras. Ângela aponta para os pratos decorativos pendurados perto da caixa de registo e conta que foram usados no casamento da mãe. As almofadas tradicionais de Chaves e as mantas de Soutelo no salão interior foram feitas à mão pela sogra de Anabela.

Também aí encontramos as campainhas para as vacas ou as candeias que foram resgatadas das casas dos pais. E se, prossegue Anabela, “em todo o lar transmontano há um escano”, esse “banco comprido para a família comer junta à beira da lareira”, ele não falta na “sala de degustação”. O aquecedor eléctrico corta com alguma da tradição, mas até o rádio antigo, que não era das famílias das responsáveis mas “foi comprado para o efeito” (e só passa música portuguesa), indica que não é só espacialmente que quem entra na Trazmontes viaja.

Trazmontes Nelson Garrido
Trazmontes Nelson Garrido
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Trazmontes Nelson Garrido

Regressados finalmente às prateleiras, percorremos as diferentes especialidades que temos à nossa disposição. A sala de dentro, com espaço para pouco mais de 20 pessoas, é o lugar preferido para quem quer saborear um pastel de Chaves, a “estrela da casa” (1,10€), e optar por vários petiscos – que incluem opções vegetarianas, como é o caso da alheira (5€).

Os incontornáveis pratos de linguiça (6€) ou salpicão (8€) “fazem as delícias” dos clientes habituais, assim como as tostas, que são servidas em pão de centeio transmontano e cujo preço varia entre 1,50€ (tosta com azeite simples) e 7€ (tosta com compota de pimentos, sardinha em conserva, rúcula e vinagre balsâmico). Para acompanhar, um copo de vinho Padrão dos Povos ou Quinta do Poldrado (3€).

Fora do menu encontramos, por exemplo, mel de flor de laranjeira e rosmaninho, abóbora com noz, amêndoa de Mirandela ou salpicão. É com a Sabores da Eira, uma empresa familiar sediada em Vila Real, que a Trazmontes conta para manter actualizado o seu stock de mel biológico ou chá de gengibre e limão. A aposta no artesanal é indispensável – “não há matéria-prima de supermercado”, refere Ângela.

Elza Alves só tem pena que a casa fique “um bocadinho escondida” no meio da Rua do Bonjardim. É, em grande parte, por isso que Transmontina fica à porta. “Ela está lá fora para vermos se as pessoas olham para aqui para dentro. Queria que ela segurasse pastéis de Chaves na mão, mas ainda não aconteceu”, brinca. Nesta casa, há pastéis de Chaves para provar, sim, mas para lá dos petiscos, há também uma memória do Alto Douro para preservar.

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Pão transmontano Nelson Garrido

Texto editado por Sandra Silva Costa 

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